Mundo já pagou factura de mais de um bilião de euros por “invasões biológicas”

Equipa de cientistas decidiu fazer as contas ao prejuízo causado por espécies invasoras em todo o mundo. A factura tem triplicado década após década, avisam os autores do trabalho.

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O lagostim-vermelho-do-louisiana Clothilde Pérot-Guillaume

Nada como falar de dinheiro e do prejuízo em milhares de milhões de dólares para captar a atenção do mundo para um problema ambiental. Esgotados todos os argumentos sobre os danos causados no planeta pelas espécies invasoras, uma equipa de cientistas decidiu fazer as contas ao prejuízo. As desprezadas invasões biológicas que, entre outros danos, representam a segunda maior causa da extinção de espécies custaram já mais de um bilião de euros nos quase 50 anos entre 1970 e 2017. E o problema triplica década após década. Apenas em 2017 as espécies invasoras terão custado mais de 142 mil milhões de euros.

“Após cinco anos de estudo, a equipa internacional de investigação dirigida por cientistas da Écologie, Systématique et Évolution (CNRS/ Universidade Paris-Saclay/AgroParisTech) alcançou uma estimativa do custo para a sociedade humana das espécies invasoras: pelo menos 1,288 biliões de dólares no período de 1970 a 2017”, refere um comunicado do CNRS sobre o estudo publicado na revista Nature. A média anual, dizem os investigadores, ronda os 26,8 mil milhões de dólares [22 mil milhões de euros], mas a factura triplica a cada década. “Só em 2017, atingiu 162,7 mil milhões de dólares [142 mil milhões de euros], ou 20 vezes os orçamentos combinados da OMS e do Secretariado da ONU nesse ano”, argumentam os autores do estudo.

Toda a gente conhecerá a expressão “espécie invasora”, mas, segundo os cientistas que publicam o impressionante resultado de um cálculo dos danos que estas espécies causam, serão ainda muito poucos os que valorizam esta ameaça ambiental e lhe atribuem a merecida importância. “Os custos das invasões biológicas continuam a ser largamente subestimados e subdeclarados”, constatam os investigadores que acrescentam agora uma factura concreta à lista de danos causados por este problema ambiental.

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A vespa-asiática Dominique Fenot

“Uma espécie exótica invasora é uma espécie introduzida deliberadamente ou involuntariamente pelo homem num novo habitat, onde se torna uma ameaça ambiental. Para além da perda de biodiversidade e outros impactos ecológicos resultantes da sua presença, uma espécie invasiva pode levar a perdas económicas em certos sectores, incluindo a agricultura, o turismo e a saúde pública”, lembra o comunicado da CNRS. O problema agrava-se cada ano que passa e “não é visível no horizonte nenhuma inversão desta tendência”, alertam os cientistas.

A investigação que agora é apresentada fornece “a primeira contagem completa dos custos reportados resultantes de invasões biológicas em todo o mundo, todas as espécies combinadas”. Isto quer dizer que a equipa de cientistas analisou um total de 850 estudos com mais de duas mil estimativas de custos que foram uniformizados, para permitir a comparação e categorização, e com o recurso a mais de 40 variáveis (por exemplo, espécies, região, habitat e sector económico), dentro da base de dados do projecto InvaCost (que tem como lema “O projecto científico onde você é o herói!”).

Além de representar uma das principais causas da extinção de espécies, os investigadores lembram que as despesas associadas à prevenção, monitorização ou combate à propagação destas espécies são insignificantes em comparação com o custo dos danos que causam. E exemplificam: “A devastação de invasões biológicas por espécies exóticas tão diversas como o mosquito-tigre-asiático, a formiga de fogo vermelha importada, o salgueiro flutuante, o mexilhão-zebra e o rato preto são responsáveis por perdas de dezenas de milhares de milhões de dólares cada”.

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O jacinto-de-água Anna Turbelin

Depois do choque do impacto financeiro, resta ainda o argumento da proximidade. Em Portugal, tal como em todo o mundo, as espécies invasoras também fazem muitos estragos. Há menos de um ano, o PÚBLICO alertava para um “invasor e superpredador do Tejo” que estava a dizimar as espécies nativas, por exemplo. “A população de siluros, uma espécie invasora também conhecida como peixe-gato europeu, multiplicou-se de forma descontrolada no rio e está a ameaçar seriamente outros peixes, nomeadamente autóctones com grande valor para os ecossistemas e para os profissionais da pesca, como enguias, sáveis e lampreias. Ou até outras espécies invasoras igualmente importantes a nível comercial como o lagostim do rio”, lia-se na notícia.

No passado mês de Novembro, uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra alertava (mais uma vez) para este problema e anunciava a criação de “uma plataforma de disseminação de conhecimento na qual o cidadão pode participar, através de uma aplicação para smartphone. Sem que seja preciso recuar a 2020, no passado mês de Fevereiro também foi divulgado o resultado de uma outra investigação da Universidade de Coimbra que analisou o impacto das acácias (uma das mais agressivas espécies invasoras do mundo) e que confirmou que representam uma séria ameaça para os ribeiros.

Num comunicado da Universidade Flinders (na Austrália) sobre o trabalho publicado agora na Nature com os pesados custos deste problema que, entre outros danos, prejudica o rendimento das culturas, as infra-estruturas nacionais e a saúde humana, há mais alertas. Assim, os investigadores defendem que as invasões biológicas devem tornar-se um factor importante na decisão de projectos transnacionais. “Um dos exemplos mais contemporâneos é a ambiciosa Iniciativa [da China] do Cinturão e Rota da Seda que abrirá caminhos para a introdução de novas espécies em todo o mundo”, avisam. “Apelamos a acordos políticos internacionais que visem reduzir o peso das espécies invasoras”, sublinha Corey Bradshaw, investigador na universidade australiana. Por fim, para quem ainda, incrédulo, tenta fazer as contas a tanto prejuízo fica a solidariedade dos autores do estudo. “Os custos globais das espécies exóticas invasoras são tão elevados que passámos meses a verificar os nossos modelos e esta estimativa global, para garantir que não estávamos a exagerar”, explica Christophe Diagne, cientista da Universidade de Paris-Saclay e primeiro autor do artigo, garantindo que a abordagem “muito conservadora é, de facto, uma enorme subestimativa dos custos económicos reais”.

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