Organização Save the Children diz que a repressão militar na Birmânia já matou 43 crianças

A enviada especial da ONU para a Birmânia alertou para um “banho de sangue” iminente e para “uma catástrofe multidimensional no coração da Ásia”.

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A Constituição de 2008 é queimada nos protestos, num acto simbólico contra a Junta Militar EPA

Segundo a Save the Children, pelo menos 43 crianças foram mortas pelas forças militares birmanesas desde o início do golpe militar, a 1 de Fevereiro. Só nos últimos 12 dias, o número de crianças mortas aumentou mais do dobro, informou a organização de defesa dos direitos humanos, numa nota publicada no seu site esta quinta-feira.

Do total, 15 crianças tinham menos de 16 anos: a vítima mais nova, uma menina, tinha apenas seis. A organização descreve “um cenário de pesadelo” vivido no país asiático, especialmente porque várias crianças foram mortas em casa, “onde deveriam estar livres de perigo”.

Embora não sejam conhecidos os números de crianças feridas, a Save the Children sublinha que “deve ser significativo”, acrescentando que um dos feridos era um bebé de um ano que foi atingindo no olho com uma bala de borracha.

Estas vítimas somam-se às 538 mortas nos protestos pró-democracia dos últimos dois meses, segundo a Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos. Daquelas, 114 foram mortas às mãos dos militares apenas no sábado, o dia mais sangrento desde o início da revolta popular contra a detenção da líder de facto do país, Aung San Suu Kyie, e dos membros do Governo.

Segundo os críticos e opositores dos militares, a resposta das forças de segurança continua a ser a repressão e a da violência, matando e ferindo civis, e fazendo detenções arbitrárias e rusgas nocturnas.

Um “banho de sangue é iminente”

A enviada especial da ONU na Birmânia, Christine Schraner Burgene, alertou, na quarta-feira, os 15 membros do Conselho de Segurança para o risco de um “banho de sangue” iminente.

“Apelo a este Conselho para considerar todas as ferramentas disponíveis para darmos uma resposta colectiva e fazer o que é correcto, o que as pessoas da Birmânia merecem, e prevenir uma catástrofe multidimensional no coração da Ásia”, disse a enviada numa reunião à porta fechada, citada pelo Guardian.

Disse estar disponível para um diálogo aberto com a Junta Militar, mas, salientou, se esperarem “até estarem prontos para falar, a situação no terreno apenas piorará”.

A intervenção de Burgene surge também na sequência de o governo civil paralelo – criado pelos membros do Parlamento dissolvido – ter declarado a Constituição de 2008 ilegítima, porque concedeu um quarto dos lugares parlamentares e poder de veto ao Exército. Num gesto simbólico, várias cópias da Constituição foram queimadas durante os protestos.

O governo civil anunciou também nas redes sociais um “estatuto democrático federal” para servir de Constituição interina, o que pode ajudar a convencer as milícias armadas dos grupos minoritários étnicos a aliarem-se aos manifestantes na luta contra a Junta.

Os grupos armados da região de Karen já tinham demonstrado o seu apoio, depois de uns bombardeamentos na zona de Karen durante o fim-de-semana que obrigou milhares de pessoas a refugiarem-se no lado tailandês da fronteira. Esta foi a primeira violação do acordo de paz entre os grupos armados e o Governo birmanês nos últimos 20 anos, e que pode reacender conflitos antigos.

“A crueldade militar é tão severa e tantos [grupos armados étnicos] estão a demarcar-se claramente em oposição, aumentando a possibilidade de uma guerra civil sem precedentes”, disse Burgener.

No entanto, no que parece um gesto para evitar um conflito com as facções armadas, a Junta Militar declarou um “cessar-fogo”, apelando às minorias étnicas para “manterem a paz”, e garantindo que o Exército iria “suspender as operações unilateralmente de 1 de Abril a 30 de Abril”.

Ainda assim, as excepções aplicam-se, disse, àqueles que “perturbarem” a segurança do Governo.

Têm sido feitos vários apelos aos militares para baixarem as armas que têm assolado o país desde que os militares subiram ao poder. Grande parte da comunidade internacional, apela a um posicionamento colectivo contra a violência militar, nomeadamente no seio da ONU e da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), que tem quebrado a tradição de não interferir nos assuntos internos dos países asiáticos. 

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