A pobreza e a educação: não podemos perder o progresso dos últimos 15 anos

Não podemos deixar que a pandemia nos leve o progresso dos últimos anos na redução da pobreza, nem na melhoria das qualificações em Portugal, que são o passaporte para sair da pobreza. Os adultos podem manifestar-se e lutar pelos seus direitos; mas as crianças, especialmente as mais pequenas, não.

A taxa de risco de pobreza após transferências sociais em Portugal era, em 2019, de 17,2%, acima dos 16,5% da UE27. Isto significa que 1.768.160 pessoas em Portugal viviam com menos de 6014€ por ano, o que equivale a 501€ por mês, ou 16,5€ por dia. É com estes números que a Mariana Esteves, a Susana Peralta e eu abrimos a primeira edição do relatório “Portugal, Balanço Social”​, que resulta de uma parceria da Nova SBE com a Fundação La Caixa.

Mesmo que a um ritmo lento, a taxa de risco de pobreza tem vindo a diminuir em Portugal. Segundo dados do Eurostat, em 2004 havia 2,1 milhões de pobres em Portugal (20,4%). Isto significa que, em 15 anos, saíram da pobreza cerca de 300 mil pessoas. A pobreza pode ser episódica ou mais duradoura e, em regra, é o resultado da confluência de vários fatores. Além da composição do agregado familiar e algumas características sociodemográficas (como o género, a idade, a nacionalidade ou a área de residência), um dos fatores mais importantes é a relação com o mercado de trabalho.

A prevalência da pobreza é superior entre os desempregados (42%, em 2019); no entanto, ter um trabalho não é, muitas vezes, suficiente para evitar situações de pobreza. Em 2019, uma em dez pessoas que trabalhavam estava em risco de pobreza. Este aparente paradoxo pode ser explicado porque as famílias mais pobres têm uma intensidade laboral mais baixa; de resto, para serem considerados “trabalhadores” basta que trabalhem metade do ano. Em 2019, 29% dos pobres trabalhava o equivalente a 5,4 meses a tempo integral ao longo de um ano, na população em geral esta proporção era de 9%.

O impacto da crise pandémica na pobreza é ainda pouco conhecido. Políticas públicas como o layoff simplificado, ou as moratórias de impostos e créditos, mitigaram parte dos efeitos económicos e sociais da pandemia. No entanto, estas medidas são transitórias e o barómetro DECO Proteste de março já indica​ que mais de metade das famílias perderam rendimento em 2020. Não sabemos se estas famílias estão em situação de pobreza, mas sabemos que duas em três afirmam ter dificuldades para suportar os custos do dia-a-dia.

A escolaridade é um importante determinante da pobreza, especialmente porque influencia a relação dos indivíduos com o mercado de trabalho. A taxa de risco de pobreza entre os adultos com ensino superior era, em 2019, de 7,4%. Esta taxa era três vezes superior (22%) para os que tinham apenas o ensino básico.

Portugal tem feito um esforço assinalável para aumentar as qualificações dos seus habitantes. Em 2004, 75% dos adultos tinham apenas o ensino básico completo, muito acima da média da UE27 (32%). Este valor reduziu-se para 48% em 2019, mesmo assim estamos ainda na pior posição entre os países da UE27. Esta tendência de melhoria nas qualificações também se tem observado nos testes PISA que, embora com algumas limitações, mostram que as competências em leitura, matemática e ciência dos alunos de 15 anos melhoraram entre 2000 e 2018.

Os efeitos económicos da pandemia são, em regra, mais visíveis e amplamente debatidos. Há, no entanto, outros mais silenciosos, como os impactos na educação. A pandemia transferiu o ensino presencial para a distância, apesar do esforço de pais, alunos e professores, é pouco provável que o último seja tão eficaz quanto o primeiro.

As primeiras estatísticas​ sobre o impacto da pandemia nas competências dos alunos foram recentemente disponibilizadas pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave), com base nos resultados de testes feitos em janeiro. O relatório inicial mostra que menos de metade dos alunos do 6.º e 9.º ano tinha o nível esperado em conhecimentos elementares, em Matemática, Leitura e Ciências. Estes resultados não mostram ainda as prováveis assimetrias entre alunos de diferentes contextos sociodemográficos, nem refletem o segundo período de encerramento de escolas, já em 2021. É por isso urgente começar a pensar e discutir como podemos ajudar os alunos a recuperar estes conhecimentos perdidos.

No relatório Aprendizagens perdidas devido à pandemia: Uma proposta de recuperação (em co-autoria com o Pedro Freitas, o Miguel Herdade, a Susana Peralta e a Ana Balcão Reis), calculamos os custos de algumas alternativas já adotadas noutros países para promover a recuperação de aprendizagens. O mais comum é a disponibilização de programas de tutoria em pequenos grupos ao longo do ano letivo, em que tutores trabalham em parceria com os professores para colmatar os atrasos identificados. Outra alternativa (possivelmente complementar) é acrescentar sessões de recuperação de aprendizagens às escolas de verão, que combinam atividades lúdicas e de socialização e já se realizam por todo o país.

Nesta proposta usámos os resultados das últimas provas de aferição de Português e Matemática como referência para definir o potencial universo de alunos abrangidos. Partimos do cenário em que é fornecido apoio adicional aos cerca de 125 mil alunos a Português e 273 mil a Matemática que obtiveram classificação “Não conseguiram/Não responderam” nestas provas. Dependendo dos cenários, estimamos que o custo destas medidas excecionais esteja entre 168 e 694 milhões de euros, o que corresponde a 3 a 10% do orçamento anual de educação, e a um custo anual máximo por aluno de 1574€. O programa é adaptável aos contextos das escolas, no número de alunos e disciplinas a abranger, na periodicidade, duração e conteúdo das sessões. O nosso objetivo com este relatório foi chamar a atenção para a importância de pensar e desenhar programas de recuperação rapidamente e trazer números concretos para o debate. Naturalmente, esta proposta pode (e deve) ser discutida e melhorada.

Não podemos deixar que a pandemia nos leve o progresso dos últimos anos na redução da pobreza, nem na melhoria das qualificações em Portugal, que são o passaporte para sair da pobreza. Os adultos podem manifestar-se e lutar pelos seus direitos; mas as crianças, especialmente as mais pequenas, não.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

 
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