Violência na fronteira venezuelana com a Colômbia provoca fuga de cinco mil pessoas

A disputa sobre as rotas do tráfico de droga tem-se intensificado, minando as relações entre os dois países. Activista dos direitos humanos fala da “pior crise” a que assistiu “em décadas” na região.

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Um barco da marinha colombiana vigia o rio Arauca, que do lado colombiano alberga milhares de deslocados LUISA GONZALEZ/Reuters

A violência na fronteira da Venezuela com a Colômbia intensifica-se, na região de Apure, dez dias depois do reacendimento do conflito entre o Exército venezuelano e grupos rebeldes armados colombianos, incluindo membros da facção dissidente das antigas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Há relatos de mortes, roubos e explosões, e estima-se que pelo menos cinco mil pessoas foram obrigadas a refugiar-se do lado colombiano da fronteira na última semana.

Caracas enviou milhares de membros das Forças Armadas Bolivarianas da Venezuela (FANV) há mais de uma semana para lançarem uma ofensiva contra grupos armados em La Victoria, no estado de Apure, no que a Colômbia diz ser uma disputa com grupos armados sobre as rotas de tráfico que passam na fronteira.

“Há o Exército de Libertação Nacional [ELN, maior guerrilha marxista colombiana], dissidentes das FARC, a Narcotalia [grupo liderado pelo ex-comandante das FARC Iván Márquez] e claro, o interesse das Forças Armadas Bolivarianas no negócio do trágico de droga”, acusou há dias o ministro da Defesa da Colômbia, Diego Molano, citado pela Reuters.

Várias testemunhas descrevem abusos dos direitos humanos às mãos dos militares venezuelanos, incluindo arrombamentos, desaparecimentos e mortes de pessoas. Segundo avança o El País, vídeos que circularam pelas redes sociais nos últimos dias mostram aviões de combate a sobrevoar a zona, vários veículos militares e instalações destruídas por explosões.

Numa gravação, Raiza Remolina relatava a um jornalista local o assassínio de quatro membros da família. Remolina diz que os tios foram retirados das suas casas, na quinta-feira, instalados no lado venezuelano da fronteira, em La Victoria, enquanto a zona era revistada, supostamente em busca de guerrilheiros. Acabaram por ser “largados num campo, vestidos com o uniforme usado pelos grupos armados”, disse a jovem no vídeo.

Os ataques têm tido como alvo rebeldes que pertenceram às FARC, que assinou um acordo de paz com o Governo colombiano em 2016, terminando formalmente uma guerra que fez mais de 260 mil mortos e mais de sete milhões de deslocados.

De acordo com a organização não-governamental FundaRedes, que tem documentado a presença de grupos rebeldes na fronteira, na madrugada de segunda-feira ocorreu mais um ataque com explosivos contra um posto militar venezuelano.

Uma activista pelos direitos humanos, citada pelo The Guardian, descreve a situação como “a pior crise” a que já assistiu “em décadas” na região.

Para melhorar a resposta à população atingida, o Ministério do Interior colombiano já declarou “calamidade pública”, um mecanismo que acelera a ajuda humanitária a levar para região. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) também está a trabalhar para fornecer aos deslocados melhores abrigos e bens alimentares, em Araquita, do lado colombiano do rio Arauca.

“O génio está fora da lâmpada”

O ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, falou da violência como uma ofensiva externa ao seu país: “são uma espécie estranha de mercenários sem coração e camaleónicos”, acusando grupos armados colombianos, “motivados pelo tráfico de droga, que pretendem fazer aqui o que fazem na Colômbia”, escreveu no Twitter.

Na mesma linha de acusações, Jorge Arreaza, ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Maduro, denunciou o Governo colombiano: “Instalaram um corredor de actividades ilegais como o tráfico de pessoas, a exploração ilegal de minerais e narcotráfico, destinado a financiar a instrumentalização destes grupos armados contra a Venezuela”.

Mas tanto os responsáveis colombianos como vários analistas repetem acusações à Venezuela de acolher guerrilhas no território.

“O génio está fora da lâmpada… Depois de anos a negar teimosamente que as guerrilhas colombianas estão a operar dentro das fronteiras venezuelanas, as Forças Armadas da Venezuela estão em confronto aberto com dissidentes das FARC”, diz Bram Ebus, consultor no think tank  International Crisis Group  (ICG).

Este conflito pode agudizar as relações entre os dois países, já de si frágeis, receiam os analistas, depois de terem piorado em 2019, quando o Governo colombiano apoiou o opositor de Nicolás Maduro, Juan Gaidó

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