A economia circular e resiliência

Neste momento de encruzilhada, em que fomos confrontados com o impensável, teremos mesmo de mostrar a nossa capacidade de aprender com os erros do passado e construir, em conjunto, um novo futuro, resiliente e assente no bem-estar para todos.

Recentemente houve mais uma oportunidade para revisitar o que virá a ser o futuro plano de recuperação e resiliência português. A próxima década será decisiva para Portugal, para a UE e para a Humanidade no seu conjunto, dada a premência de alterar de forma rápida a progressão negativa de indicadores ligados à emissão de gases com efeito de estufa, perda da biodiversidade ou à exploração insustentável de recursos, para referir apenas alguns.

Analisado à lupa (tanto quanto é possível, dado tratar-se de plano genérico e bastante desequilibrado quanto a pormenores e fundamentação) ressalta que o alinhamento deste plano com o pilar europeu relativo à transição verde parece forçado em muitas áreas, não sendo possível, à luz da informação facultada nesta fase, avaliar se respeita a obrigatoriedade de mais de 37% das verbas serem utilizadas para o pilar transição verde. Na nossa perspetiva, não respeita, o que é secundado pela análise feita recentemente pelo Wuppertal Institute e a E3G (no âmbito do Green Recovery Tracker), onde Portugal surge apenas com o compromisso de 19% do total do investimento para a transição verde, mantendo-se ainda muito por definir e fortemente dependente da implementação no terreno.

Não obstante o amplo mundo de possibilidades que pode ser potenciado por avanços conseguidos nos últimos anos na área das energias renováveis, da mobilidade sustentável, da agroecologia, do repensar dos produtos no sentido de fomentar a sua durabilidade, reparabilidade e possibilidade de reutilização e reciclagem, o PRR, na sua versão atual, está longe de ser o documento com visão que nos prometeram.

Entre os grandes ausentes a economia circular é um dos mais proeminentes. Não obstante o apoio público do Ministério do Ambiente e Ação Climática a esta área de ação, o facto é que pouco ou nada se fala do potencial de criação de emprego, de aumento da resiliência da economia portuguesa através da disponibilização dos múltiplos recursos/resíduos que podem ser reintegrados nos processos produtivos, bem como nos enormes benefícios ambientais (no país e um pouco por todo o mundo, dada a grande dependência da nossa economia face à importação de recursos) que dela podem resultar.

Um levantamento simples feito pela Zero (2020) demonstrou que bastaria a Portugal cumprir as metas europeias de reciclagem de resíduos urbanos para criar mais de cinco mil empregos. Um outro estudo recente realizado pela ONG Gaia sobre o potencial de emprego das estratégias zero resíduos (iniciativas de redução, reutilização, reparação, atualização, remanufactura, compostagem e reciclagem) demonstra que iniciativas de reparação podem criar até 200 vezes, de reciclagem até 50 vezes e de remanufactura até 30 vezes mais emprego do que a colocação de resíduos em aterro ou a sua incineração.

A par com a criação de emprego, muitas vezes local e com a capacidade de incluir trabalhadores em situação de exclusão do mercado tradicional de trabalho, muitas destas estratégias contribuem também para o fortalecimento do sentimento de comunidade, estimulam a participação social, assentam em processos transparentes de comunicação e responsabilização, reduzem as emissões de gases com efeito de estufa e promovem ambientes menos tóxicos.

Neste momento de encruzilhada, em que fomos confrontados com o impensável, é fundamental aproveitar o momento para dar um salto qualitativo e quantitativo rumo a uma sociedade e uma economia que respeite os limites colocados pelo Planeta. Não basta fazer apenas mais um bocadinho. Desta vez, teremos mesmo de mostrar a nossa capacidade de aprender com os erros do passado e construir, em conjunto, um novo futuro, resiliente e assente no bem-estar para todos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar