Comandantes dos três ramos das Forças Armadas brasileiras demitem-se em protesto contra Bolsonaro

Demissões surgem um dia depois da saída do ministro da Defesa, o general Azevedo e Silva, do Governo. Bolsonaro exigia apoio público por parte das chefias militares.

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Edson Pujol demitiu-se do comando do Exército brasileiro em protesto contra Bolsonaro ADRIANO MACHADO / Reuters

Quis o destino que um dos dias de maior instabilidade nas Forças Armadas brasileiras coincidisse com a véspera do 57.º aniversário do golpe militar que impôs uma ditadura que iria durar mais de duas décadas. A demissão em bloco dos comandantes dos três ramos das Forças Armadas, em protesto contra as tentativas de interferência pelo Presidente Jair Bolsonaro, representa uma ruptura entre a cúpula militar e o Governo federal que será mais um teste à solidez da democracia brasileira.

Os três comandantes – Edson Pujol, do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e Antônio Carlos Bermudez, da Força Aérea – tinham colocado os seus lugares à disposição assim que se oficializou a demissão do ministro da Defesa, o general na reserva Fernando Azevedo e Silva, na segunda-feira. No entanto, o seu sucessor, o também general reformado Walter Braga Netto, esperava assegurar, pelo menos, a permanência dos chefes da Marinha e da Força Aérea para conter a dimensão da crise.

Em causa estão as tentativas de Bolsonaro de tentar colocar as Forças Armadas ao serviço do Governo. Ninguém o assume publicamente, mas a demissão de Azevedo e Silva na véspera já tinha dado sinais nesse sentido. O general disse que, enquanto esteve no cargo, tentou preservar as Forças Armadas como “instituições de Estado”, deixando subentendido que havia o desejo de as subjugar.

A saída dos três comandantes máximos dos ramos das Forças Armadas não tem paralelo na história contemporânea do Brasil e é um sinal bastante forte do desconforto gerado após meses de divergências entre Bolsonaro e as chefias militares.

A relação era especialmente tensa com Pujol, que, ao contrário do Presidente, assumiu o combate à pandemia de covid-19 como uma das missões mais desafiadoras para todas as instituições brasileiras. Para a posteridade fica um encontro entre ambos, em Abril do ano passado, em que Bolsonaro se preparava para cumprimentar o general com a mão e este lhe estende o cotovelo.

Nos últimos meses, com o agravamento da pandemia e os sinais de desagregação da popularidade de Bolsonaro, o Presidente passou a exigir demonstrações de apoio públicas por parte dos militares. Por diversas vezes, Bolsonaro aludiu a possíveis intervenções do Exército para defender os seus interesses e planos, a última das quais há pouco mais de uma semana quando sugeriu que os militares poderiam ser enviados para os estados que decretassem medidas de confinamento para agirem contra elas.

Um tema comum entre os seus apoiantes são os apelos para que as Forças Armadas intervenham para encerrar o Congresso ou prender os juízes do Supremo Tribunal Federal, considerados adversários políticos de Bolsonaro e do Governo. Todos estes cenários de intervencionismo militar no cenário político incomodavam as chefias, segundo a imprensa brasileira.

Não é fácil discernir que tipo de apoio tem Bolsonaro junto dos militares. Se, por um lado, foi com o seu Governo que as Forças Armadas voltaram a ter influência na política brasileira, com ganhos próprios para o sector, por outro, as chefias tentaram sempre manter alguma distância face ao bolsonarismo radical com o objectivo de preservar a imagem institucional.

Logo depois das demissões, o vice-presidente, o general na reserva Hamilton Mourão, tentou acalmar os ânimos e afastar o cenário de interferência política nas Forças Armadas daqui para a frente. “Pode botar quem quiser, não tem ruptura institucional. As Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre”, assegurou.

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