Ataque aéreo francês no Mali matou pelo menos 19 civis, conclui investigação da ONU

Um relatório publicado pela organização mundial, que contou com mais de 400 entrevistas, confirma ocorrência de uma casamento no local do ataque, no princípio deste ano. Governo francês rejeita conclusões.

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O Presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, encontrou-se com o Presidente francês Emmanuel Macron durante a cimeira do G5 Sahel, em 2020, em Bamako. Luc Gnago/Reuters

Pelo menos 19 civis foram mortos num ataque aéreo francês no Mali, em Janeiro, confirmaram as Nações Unidas num relatório publicado esta terça-feira. As autoridades francesas contestam-no, porém, continuando a defender que atiraram contra militantes islamistas considerados membros de grupos terroristas.

O relatório da Missão Multidimensional Integrada para Estabilização das Nações Unidas no Mali (MINUSMA), avançado pela Reuters, revelou que houve “a celebração de um casamento que juntou cerca de 100 civis no local do ataque”, confirmando as “alegações de que vários civis morreram” às mãos das tropas francesas.

A investigação, iniciada um dia depois do ataque aéreo levado a cabo no dia 3 de Janeiro, perto da aldeia de Bounti, contou com mais de 400 entrevistas, das quais 150 foram presenciais e feitas individualmente. Foram também analisadas imagens de satélite, cerca de 150 declarações e artigos de terceiros, e houve uma visita oficial ao local do ataque e arredores.

As conclusões do relatório registam a morte de pelo menos 22 pessoas ao todo: 19 civis desarmados e três das “cinco pessoas armadas” que se encontravam no casamento, “presumidamente membros da Katiba Serma [grupo terrorista afiliado à Al-Qaeda]”.

“O grupo afectado pelo ataque era, na sua esmagadora maioria, composto por civis, os quais estão protegidos ao abrigo do direito humanitário internacional”, lê-se no relatório da MINUSMA.

Salienta igualmente que o “ataque levanta sérias preocupações quanto ao cumprimento dos princípios de condução das hostilidades”, sobretudo no que toca às exigências face à verificação se os alvos são verdadeiramente “alvos militares”.

França contesta

Em resposta ao relatório, as autoridades francesas mantiveram a sua posição inicial de que o ataque foi executado com base num serviço de monitorização aérea que identificou um “aglomerado suspeito de pessoas” como “um grupo terrorista armado”, segundo as declarações do porta-voz das tropas francesas, pouco depois do ataque, citado pelo The Guardian.

Neste sentido, o Ministério da Defesa da França contestou os resultados da investigação num comunicado, onde voltou a frisar que foi uma “operação robusta de targeting” que levou à morte de 30 militantes islamistas.

Além de reforçar a sua defesa, o ministério criticou também a forma como a investigação foi conduzida, acusando-a de falta de rigor e transparência.

“As únicas fontes concretas em que este relatório se baseia são testemunhas locais”, apontou, segundo a Reuters, “e estas nunca são transcritas, a identidade das testemunhas nunca é especificada, nem as condições em que os testemunhos foram recolhidos”.

Deixa, assim, a hipótese de ter havido falsos testemunhos em aberto, por ser “impossível distinguir as fontes credíveis” dos “simpatizantes dos terroristas ou indivíduos sob influência, inclusive ameaças, de grupos jihadistas”.

Como recomendação final no seu relatório, a MINUSMA aconselha às autoridades da França e do Mali que procedam a uma “investigação independente, credível e transparente de forma a examinar as circunstâncias do ataque e o seu impacto na população civil de Bounti”.

Combate ao terrorismo

A França tem estado, desde 2013, a participar activamente no combate contra os insurgentes de grupos terroristas ligados ao Daesh e à Al-Qaeda em Mali, país africano que esteve sob o seu domínio colonial até 1892.

No conflito entram também as forças dos EUA, os militares locais e missões de paz da ONU, mas alcançar uma situação de segurança e estabilidade no país é ainda uma conquista longínqua. Com uma violência galopante, o conflito já se espraiou para os territórios vizinhos de Burkina Faso e Níger.

Ainda na semana passada, membros oficiais de Mali condenaram um segundo ataque aéreo conduzido pelas tropas francesas, em que seis civis perderam a vida. As tropas francesas defendem também aqui terem atingido militantes islamistas.

Texto editado por António Saraiva Lima

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