Manter os apelidos do ex-cônjuge após o divórcio?

O tribunal terá, assim, de ponderar as motivações de ambos os ex-cônjuges, sabendo-se que poderão existir razões ponderosas que a ambos assistam, e tomar a decisão que se afigure mais equitativa.

A adoção do apelido do futuro marido/mulher na data do casamento parece estar a cair em desuso. Não dispomos de estatísticas que o confirmem, mas é a sensação que nos deixam os muitos processos de divórcio que todos os anos nos passam pelo escritório e em que nenhum dos cônjuges adotou apelidos do outro.

As práticas nesta matéria nunca foram uniformes, e esta será apenas uma tendência mais. Basta notar que, ao contrário do que se poderia pensar, nem sempre foi o apelido do marido a prevalecer. Muitos, entre os quais eu próprio me incluo, ostentam hoje apelidos que herdaram das suas avós ou bisavós.

A não adoção dos apelidos do outro poderá também significar alguma descrença na perpetuidade do casamento, sabendo-se que os números do divórcio em Portugal são o que são.

Porém, nos casos em que os nubentes adotam o apelido do seu cônjuge, o que sucede em caso de divórcio do casal? O ex-cônjuge poderá continuar a utilizar o apelido do seu ex-marido ou ex-mulher? Ou terá, ao invés, de abandoná-lo? Ao contrário do que sucede em caso de falecimento de um dos cônjuges, em que o(a) viúvo(a) mantém o direito à utilização dos apelidos do falecido, a regra, em caso de divórcio, é a de que os apelidos caem automaticamente. Poderão, no entanto, existir exceções.

Assim, e em primeiro lugar, o ex-cônjuge poderá conservar os apelidos do ex-marido ou ex-mulher se este lhe conferir autorização formal para tal. Esta autorização poderá logo ser prestada ao tempo do divórcio. A outra possibilidade, para os casos em que não existe o consentimento do ex-cônjuge, consiste em solicitar uma autorização ao tribunal, a qual poderá ser concedida em função dos motivos invocados. E em que casos poderá o tribunal autorizar a utilização do(s) apelido(s) do ex-cônjuge, mesmo contra a vontade expressa do seu “titular original”?

A nossa lei não concretiza os casos em que o tribunal poderá conferir tal autorização. No entanto, parece pacífico defender que tal autorização só poderá ser concedida nos casos em que o interessado é detentor de um interesse sério e atendível na manutenção do nome, de tal sorte que deva sobrepor-se à vontade do ex-cônjuge, titular original do(s) apelido(s). E tal interesse, note-se, poderá ser de ordem material ou meramente moral.

Muitas pessoas são conhecidas no meio profissional, académico, científico, comercial ou artístico pelo seu apelido. E este acaba, naturalmente, por cumprir uma função de reconhecimento de quem o usa. E, na eventualidade de não poderem continuar a utilizar o nome, as consequências poderiam ser gravosas. Pense-se num ator ou escritor famoso que deixa de poder utilizar o nome pelo qual é universalmente conhecido. É público, por exemplo, que a cantora Tina Turner terá pago uma quantia fabulosa ao seu ex-marido a fim de poder continuar a utilizar o “Turner” após o divórcio. É em obediência a este interesse que a lei prevê que o tribunal poderá autorizar o uso do(s) apelido(s) mesmo contra a vontade do seu titular original.

É claro que o ex-cônjuge que se opõe à utilização do seu nome após o divórcio poderá ter, igualmente, razões ponderosas para se opor a tal utilização. Pense-se, por exemplo, nos apelidos que são também marcas comerciais valiosas (e.g., Ford, Barbour, Siemens) e que, consequentemente, interessa manter no núcleo familiar.

O tribunal terá, assim, de ponderar as motivações de ambos os ex-cônjuges, sabendo-se que poderão existir razões ponderosas que a ambos assistam, e tomar a decisão que se afigure mais equitativa à luz dos interesses conflituantes em presença.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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