Portugal dos pequeninos

Não se queira reeditar uma espécie de “linha de Torres Vedras” para proteger a capital deste ou de futuros agentes infeciosos que, não respeitando distâncias continentais, muito menos serão travados por barreiras concelhias.

Fazendo fé nas notícias, o reputado e mediático virologista Pedro Simas teria aceitado com entusiasmo o desafio do Dr. Carlos Moedas para coordenar um plano de contingência de maneira a “proteger Lisboa de novas pandemias”. Segundo palavras do candidato à Câmara de Lisboa, o objetivo é “preparar a cidade com um plano de contingência ágil que responda atempadamente a futuras pandemias”.

Chama-se a tão nobre objetivo meter o Rossio na Betesga. Lidamos hoje com um problema sanitário grave à escala mundial, longe de estar resolvido. O País, agindo como um todo, viu-se na necessidade de convocar o setor público (SNS), privado e social para, dentro do possível, conter e minimizar as consequências do surto covid na saúde da população. Neste esforço nacional solidário, assistimos à transferência de doentes entre hospitais do continente e ilhas, sempre que tal se mostrou necessário.… Vamos agora “microscopar” transformando um problema nacional numa questão da capital!

Face à situação difícil que vivemos em resultado desta pandemia e do risco de novas ameaças, mesmo reduzindo um problema mundial à dimensão nacional, é para o País no todo que é preciso encontrar soluções no campo da Saúde. Não se queira, pois, reeditar uma espécie de “linha de Torres Vedras” para proteger a capital deste ou de futuros agentes infeciosos que, não respeitando distâncias continentais, muito menos serão travados por barreiras concelhias.

Segundo dados do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, a região de Lisboa e Vale do Tejo tem uma letalidade covid acima da média nacional (2,17% vs. 2%), sendo claramente superior à do Norte do País (1,52%), embora inferior à verificada no Alentejo (3,17%). Várias causas podem explicar estas diferenças, desde razões sociológicas à organização dos cuidados de saúde – é assim fundamental clarificar a crueza dos números.

Não sendo conhecidas as razões que levam a que a região do País com maior rendimento per capita apresente (aparentemente?) uma taxa de mortalidade covid acima da média nacional, pretender solucionar o problema envolvendo a capital numa espécie de redoma protetora, para além de ilusório, pode conduzir a um aumento iníquo e improdutivo da despesa pública.

A história do SNS mostra que contributos importantes para o seu desenvolvimento vieram de personalidades ligadas ao PSD. A este propósito, lembram-se os nomes de Albino Aroso, Paulo Mendo e Leonor Beleza. Face aos novos desafios de saúde pública é fundamental que o SNS seja reforçado, sendo fundamental alargar consensos. Porém, pretender cuidar da parte isolando-a do todo só serve para aprofundar divisões territoriais, abrindo portas a populismos que, de todo, não se desejam.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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