Cartas ao director

Os velhos e os doentes de risco já não são prioritários?

Tenho vivido, como muitos portugueses, estes meses de pandemia num registo de tristeza mansa, pontuada de laivos de ansiedade e de esperança. Procurei desde o início proteger-me e proteger o meu semelhante, como é meu dever. Procurei ainda perceber as hesitações e os falhanços dos responsáveis que têm de tomar decisões difíceis, frequentemente sem o respaldo de informação segura. Até que a inquietação sobre o desvio do programa nacional de vacinação me tomou de assalto. É incompreensível que grupos de cidadãos – refiro-me aos trabalhadores da educação – sejam vacinados sem que a esmagadora maioria dos integrantes dos grupos vulneráveis tenha sido inoculada com, pelo menos, uma dose da vacina. É absurdo e desonroso para quem tal decidiu. Pelo visto, não chegou o ocorrido em Janeiro com as fraudes de gente oportunista. Agora a ultrapassagem foi institucionalizada. E não venham com a falácia de que todos terão acesso à vacina. O bem é escasso e há prioridades. A Ética acima da Política!

Maria José Rodrigues, Lisboa

As vacinas do nosso descontentamento

Correndo o risco de cometer erros porque tenho deste assunto a percepção do vulgar cidadão leitor de jornais, vou arriscar. Bruxelas, no meritório afã de resolver a pandemia, carreou para as farmacêuticas consideráveis montantes financeiros. Nada a opor, antes pelo contrário! Ficámos depois a saber que, não obstante esta participação financeira, Bruxelas não controla minimamente as tomadas de decisão dos privados que, finalmente, detêm totalmente as patentes e os meios de produção. Que fazem o que lhes está no ADN: maximizam lucros! E que os preços negociados foram regateados e por isso as vacinas estão a ser canalizadas para quem oferece mais. Lógico. Até eu sei isso, podiam ter-me perguntado. Finalmente, uma sugestão aos negacionistas: que dirijam uma carta amável ao nosso homem do camuflado pedindo para serem retirados da lista. Assim os outros são vacinados mais cedo e vocês têm uma oportunidade de ouro de confirmarem (ou não) as vossas tremendas teorias da conspiração.

José Pombal, Vila Nova de Gaia

Aos tropeções

Pode ser que tudo não passe de um atraso, mais um, na conclusão do processo de desbloqueamento dos famigerados 750 mil milhões, a tal “bazuca” que tarda a ser espoletada. Na Alemanha, um grupo de 2200 cidadãos de extrema-direita, autodesignado “Aliança da Vontade Popular”, com apoio do AfD, dirigiu ao Tribunal Constitucional alemão uma “queixinha”. Recheada de premissas jurídicas, do fundo, emerge o velho, estafado, mas muito apreciado argumento dos ricos para com os pobres: “Já demos, não podemos dar mais”. Os alemães – que podem – não querem responsabilizar-se por imprevisíveis pagamentos no futuro, caso outros Estados-membros da UE não disponham de recursos para amortizar as suas partes. Estarão no seu direito… De salientar que 75% dos votos no parlamento alemão deram aprovação à emissão de dívida conjunta pela UE e que, no seio das autoridades executivas, resiste a confiança em que tudo não passará de um mero atraso processual. Já se adivinhavam, desde o princípio desta bazuca “retardada”, alguns obstáculos vindos do frio do Leste, e pode ser que tudo acabe em bem. O problema é que ainda há 13 Estados que não concluíram os processos e, até que todos o façam, não se respirará fundo. A UE está trôpega.

José A. Rodrigues, Vila Nova de Gaia

Os nossos queridos ricos

Às vezes, a página em branco e a falta de assunto faz milagres. Devemos-lhes a excelente crónica de João Miguel Tavares na última página do PÚBLICO de sábado. Da primeira à última palavra, é um retrato primoroso de uma casta que, desde há anos, se tem distinguido mais pelos problemas que cria do que pelos avanços económicos que produz. A crónica poderia ter ido mais longe, referindo o modo por que se faz investimento nas nossas empresas, quando há lucros a sério. Surge aí uma outra frase-padrão: o meu dinheiro é meu, o investimento faz-se com o dinheiro dos outros. Os lucros vão, em geral, para a economia de casino ou para os paraísos fiscais. Há uma desculpa velha: a nossa tradição mais forte em matéria de actividade económica não é a do capitalismo industrial, é a do comércio especulativo. Já teve tempo de mudar. Parabéns a J. M. Tavares, mais uma vez.

António Monteiro Fernandes, Lisboa

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