Em nome do futuro e da decência

Há mais de cinco anos que a Comissão Europeia e os Estados-Membros persistem em responder com paliativos orientados por uma lógica securitária, de contenção, dissuasão e externalização.

No dia 15 passaram dez anos sobre o início da Guerra na Síria, um conflito cuja duração já ultrapassou a soma das I e II Guerras Mundiais, e que fez disparar o número de deslocações forçadas para valores que ultrapassaram os atingidos na II Guerra Mundial.

Em 2015 chegavam à Europa cerca de um milhão e meio de requerentes de asilo. As mortes no Mediterrâneo e as imagens de guerra entravam pelas nossas casas dentro à hora do telejornal.

Desde aí a Europa mostrou-se incapaz de construir uma resposta decente para o pouco que lhe é pedido. Quando comparamos aquilo que qualificamos como “crise” com o número de refugiados per capita acolhidos em países como o Líbano, a Jordânia e a Turquia, coramos de vergonha.

Falta de vontade política, falta de solidariedade com os chamados países da linha da frente, cedência e/ou temor ao apelo populista ao racismo e à xenofobia? O certo é que a partilha de responsabilidade, indispensável à construção de uma política de asilo e imigração comum, parece cada vez mais distante de ser atingida.

Desde aí, a real dimensão de chegadas tem-se desenvolvido em sentido oposto às tensões criadas relativamente ao acolhimento e integração.

Há mais de cinco anos que a Comissão Europeia e os Estados-Membros persistem em responder com paliativos orientados por uma lógica securitária, de contenção, dissuasão e externalização.

O exemplo do campo de refugiados de Moria ergue-se como o expoente máximo da vergonha e do falhanço da União Europeia.

O Novo Pacto para as Migrações e Asilo apresentado pela Comissão Europeia em Setembro acabou por se reduzir à cedência aos que sempre se colocaram fora de qualquer sistema de partilha de responsabilidades, abdicando da solidariedade vinculativa substituída pela mera escolha entre a abertura ao acolhimento, através da recolocação dos refugiados entre os diferentes Estados-Membros, ou o patrocínio de processos expeditos de retorno para aqueles que não tenham direito à protecção internacional, ou seja, teremos mais do mesmo. Os países da boa vontade continuarão a acolher, os outros poderão lavar a consciência ao patrocinar o retorno de migrantes.

Ao Parlamento Europeu resta agora discutir, trabalhar, lutar para melhorar o que for possível nos diferentes instrumentos que darão corpo ao Pacto. Sim, o que for possível neste tempo avesso a grandes golpes de asa.

Procurar salvaguardar que: o processamento expedito dos pedidos de asilo não se transforme em processos sem garantias de respeito pelos Direitos Humanos; os canais legais para a imigração não se cinjam aos altamente qualificados; a cooperação com países terceiros não fique refém de lógicas securitárias de pura retenção ou externalização da política de migração e asilo, mas que obedeça à busca da estabilidade e do desenvolvimento necessários a que a imigração seja uma opção e não um caminho sem alternativa.

Talvez nesta área a pandemia sirva para nos ensinar algo. Segundo a Comissão Europeia, os imigrantes constituíram – e continuam a constituir – 13% dos trabalhadores essenciais em sectores-chave como a saúde ou a agricultura.

Caso a Europa cada vez mais envelhecida continue a desperdiçar o poder regenerador, a energia, o talento daqueles que aqui procuram uma oportunidade de vida com condições de dignidade e segurança, não ficará apenas para trás no quadro da capacidade competitiva global, como terá perdido a decência e disso jamais recuperará.

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