Merkel expõe desentendimentos com estados federados no maior talk show da Alemanha

Depois de uma semana extraordinária, em que medidas foram anunciadas e revertidas, a chanceler criticou os dirigentes dos estados federados – incluindo o líder do seu próprio partido.

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Angela Merkel no programa de Anne Will Wolfgang Borrs/EPA

A chanceler alemã, Angela Merkel, esteve no domingo no maior talk show do país, onde expôs a sua frustração com os responsáveis pelos 16 estados-federados em relação às medidas de combate à pandemia.

A rara entrevista de uma hora de Merkel no programa Anne Will, da estação de televisão pública ARD, seguiu-se a uma semana em que o Governo anunciou um confinamento rigoroso durante a Páscoa e depois, percebendo que trazia problemas legais e de logística, voltou atrás, com a chanceler a assumir, primeiro numa declaração e depois no parlamento, o erro e a pedir desculpa pela “incerteza causada”, um gesto muito pouco comum.

O sistema de decisão descentralizado e a autoridade dos estados federados tem sido uma marca da gestão da pandemia na Alemanha, e se este sistema funcionou a favor do país na primeira vaga com estruturas locais a permitirem, por exemplo, a rápida aplicação de programas de rastreio de contactos, a diversidade de medidas de confinamento nos 16 estados tem levado a bastante confusão.

O “travão de emergência” que prevê a imposição imediata de medidas quando o número de casos aumenta não está a ser respeitado em todos os estados federados, lamentou Merkel. Se os estados não começarem a impor medidas mais rigorosas, a chanceler admitiu considerar passos para medidas nacionais, alterando, por exemplo, a lei de protecção de infecção.

Merkel disse ainda que, do seu ponto de vista, as conversações com os estados entraram numa dinâmica em que eles sabem que a chancelaria é “estrita” e aproveitam para se apresentar como defendendo a reabertura, deixando-a num papel de polícia má. As reuniões quinzenais entre Merkel e os estados têm sido marcadas por desentendimentos bastante públicos e a última, na semana passada, durou 12 horas. Ter outra reunião neste momento não vale a pena porque há ministros-presidentes com a ilusão de que “é possível negociar com o vírus”.

Quando questionada sobe a posição do chefe do governo da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet, que é o líder do seu partido, Merkel disse que não estava contente – mas acrescentou que este não era o único a desrespeitar o “travão de emergência”.

Laschet espera ser o candidato do partido às eleições de Setembro, mas não é ainda claro se vai enfrentar um desafio do actualmente mais popular chefe do governo da Baviera, Markus Söder. Söder declarou no domingo que apoiaria Merkel em reformulações de legislação para que seja possível decidir mais medidas de contenção da pandemia centralmente.

Alguns analistas notaram que Merkel foi sobretudo crítica na entrevista com políticos da própria CDU, quer os nomeasse, quer não – tanto entre os chefes dos estados federados como no governo, pelo atraso de algumas medidas na economia ou saúde. Quando questionada sobre se o partido conservador, em queda nas sondagens, pode vencer as eleições de Setembro, Merkel respondeu que a CDU “não tem direito automático” à chancelaria, mas que o partido “tem boas respostas” para oferecer. A descida da CDU tem sido acompanha de uma subida dos Verdes, que se apresentam como um partido cada vez mais ao centro.

A Alemanha está a enfrentar uma terceira vaga que responsáveis de saúde já avisaram que será a pior até agora. A incidência de casos de infecção subiu esta segunda-feira 28% em relação à semana passada, para 8872 casos, e a média móvel a sete dias subiu para 16.435, mais 26% do que na semana anterior, aponta o jornalista do Tageszeitung Malte Kreutzfel no Twitter.

 “Não vou ficar parada enquanto temos 100 mil infectados”, disse Merkel, referindo-se a uma estimativa do presidente do Robert Koch Institut, Lothar Wieler, de que o número de casos diários poderia chegar a esse patamar nesta terceira vaga sem medidas mais restritivas.

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