Supremo confirma arquivamento de inquérito contra presidente da Associação Sindical dos Juízes

Maria Clara Santiago Sottomayor, juíza Conselheira, intentou uma acção administrativa contra o Conselho Superior da Magistratura para reverter a decisão de arquivamento do inquérito contra Manuel Ramos Soares. Em causa esteve um artigo de opinião do presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

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Francisco Romao Pereira

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a decisão do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de arquivar o inquérito contra Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) e juiz desembargador do Tribunal da Relação do Porto, na sequência de uma queixa de Maria Clara Santiago Sottomayor, juíza Conselheira do STJ.

Em causa esteve um artigo de opinião que o juiz Manuel Ramos Soares escreveu e que não agradou à juíza conselheira Maria Clara Santiago Sottomayor, que na altura estava de saída do Tribunal Constitucional, e que considerou que nesse artigo, publicado no PÚBLICO, o presidente da ASJP a “acusou de usar uma decisão judicial em que, na qualidade de juíza, interviria, como veículo de propaganda de determinada convicção política ou ideológica”.

 “A acusação feita de instrumentalizar a função judicial a interesses que lhe seriam alheios constitui um dos piores insultos que pode fazer-se a um magistrado judicial”, lê-se na argumentação da magistrada que intentou uma acção administrativa contra o CSM para reverter a decisão de arquivamento do inquérito contra Manuel Ramos Soares. A juíza pedia mesmo que o CSM fosse condenado a converter os autos de inquérito em autos de processo disciplinar.

Mas o STJ não lhe deu razão e considerou que a actuação de Manuel Ramos Soares não violou os deveres funcionais e os direitos de personalidade invocados pela Juíza conselheira.

“Em primeiro lugar, não podemos olvidar a qualidade na qual o contra-interessado (Manuel Ramos Soares) subscreveu o artigo de opinião: o de Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), não o de “mero” magistrado. Aliás, esse espaço disponibilizado pelo jornal “Público” é um espaço de opinião concedido e aceite no pressuposto que seria usado precisamente na sua qualidade de Presidente da ASJP”, lê-se na decisão que concluiu que “não merece, pois, qualquer censura o relatório final” do CSM.

Acresce que, para o STJ, “na aferição dos limites ao exercício legítimo da liberdade de expressão há que atender ao contexto em que as declarações são feitas”. E em que contexto foram feitas? Segundo o STJ, “o contexto é o do debate, veiculado em órgãos de comunicação social, a propósito das opiniões assumidas pelo presidente da ASJP acerca da legitimidade ética de se assumirem publicamente por magistrados judiciais determinadas militâncias em causas sociais, políticas, ideológicas, religiosas ou outras”.

 "O artigo de opinião de Manuel Ramos Soares foi publicado quando a questão subjacente à emissão dessa opinião - a suposta renúncia de Maria Clara Santiago Sottomayor, ao seu lugar de Juíza Conselheira no Tribunal Constitucional, alegadamente por se ter recusado a retirar do projecto de acórdão sobre a constitucionalidade da lei dos “metadados” uma consideração lateral, com que os outros juízes não concordavam, que equiparava a violência doméstica ao terrorismo - já se encontrava em discussão nos jornais”, lê-se na decisão do STJ.

Aliás, para o STJ, nesse artigo Manuel Ramos Soares “expressou a opinião que entendeu ser maioritária dos juízes e tendo sempre em consideração o compromisso ético dos Juízes Portugueses sufragado nos órgãos próprios da ASJP pelos juízes”.

“Não passa despercebido a este Tribunal que aquilo que a comunicação social afirmava - que a autora tinha renunciado ao Tribunal Constitucional por razões directa ou indirectamente ligadas à sua militância feminista - era, no momento em que o contra-interessado escreveu (e publicou) o seu artigo, inteiramente plausível, aos olhos de uma pessoa medianamente informada”, lê-se na decisão, que sublinha que “as afirmações em causa não foram feitas em termos gratuitos, visando difamar ou ofender a autora (a juíza conselheira), nem tendo qualquer intuito difamatório”.

Aliás, o STJ concluiu que não “há nem violação do dever de urbanidade, nem do dever de reserva” e que “em bom rigor, nem se pode afirmar ter-se verificado, nos termos utilizados, que tenha havido sequer uma crítica contundente ou feroz”.

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