Óscar Felgueiras: desconfinamento deve continuar apesar de “não ser possível” manter o R (t) sempre abaixo de 1

Apesar do aumento gradual do índice de transmissibilidade nas últimas semanas, o país tem assistido a uma “estabilização” da situação epidemiológica, diz o matemático Óscar Felgueiras. Subida do Rt acima de 1 será preocupante se acontecer de forma sustentada e com um aumento consistente do número de casos.

Foto
Paulo Pimenta

Face aos valores actuais de incidência e do índice de transmissibilidade (Rt), e admitindo uma evolução nos próximos dias em linha daquilo a que temos assistido, é “plausível” que cheguemos à próxima semana “com uma situação que permite continuar com o desconfinamento”. Quem o diz é o matemático Óscar Felgueiras, cujas propostas serviram de base para a elaboração do plano de reabertura posto em marcha pelo Governo.

A menos de uma semana da avaliação do desconfinamento para decidir se Portugal pode avançar no desconfinamento a conta-gotas a 5 de Abril, o país continua na zona verde da matriz de risco, de acordo com a actualização desta sexta da Direcção-Geral da Saúde (DGS), com um índice de transmissibilidade (Rt) de 0,93 e uma incidência a 14 dias de 75,7 novos casos por 100 mil habitantes – e se considerarmos só o continente este valor desce para 66,8 novos casos.

Ainda que o Rt venha a subir de forma gradual nas últimas semanas, o país tem assistido a uma “estabilização” da situação epidemiológica, com particular destaque para um “patamar de incidência baixo”, a aproximar-se dos 60 novos casos por 100 mil habitantes a 14 dias – segundo os cálculos do PÚBLICO, os dados do relatório desta quinta-feira colocam o país com uma incidência de 63,7.

Óscar Felgueiras sublinha ao PÚBLICO que os dados até agora disponibilizados não parecem indicar um efeito da reabertura das escolas no número de contágios – algo que ainda se vai reflectir durante os próximos dias ou, caso não haja aumento, acaba mesmo por não ter influenciado a situação.

“Em princípio não vai acontecer, é o que acho. Em rigor, não há propriamente dados que possam estabelecer uma afirmação contundente”, referiu o especialista em epidemiologia, que considera o avanço do desconfinamento a hipótese mais forte, apesar de não garantir que o Rt chega a 1 até ao dia em que o Governo vai tomar as decisões.

Rt só se torna preocupante se estiver acima do limite de forma sustentada

A situação actual do índice de transmissibilidade – aumento gradual, mas com valores inferiores a 1 – significa que a descida que se tem verificado na incidência é cada vez menos acentuada.

“Se chegarmos a um Rt igual a 1, quer dizer que os casos estão constantes. Se for acima de 1, começamos a ter um aumento de casos”. Esse aumento pode, no entanto, não ser “demasiado significativo” caso exista uma incidência baixa, reforça o matemático.

O alcançar do tecto estipulado pelo Governo pode não ser necessariamente motivo para atrasar a reabertura do país, no entanto. A ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, afirmou na conferência de imprensa desta sexta-feira, depois do Conselho de Ministros, que as linhas da matriz de risco não vão ser “absolutos travões”, com regras que “não são estanques”. Uma ideia que é partilhada por Óscar Felgueiras: o índice de transmissão deve ser sempre olhado em conjunto com a incidência, e a situação actual mostra um Rt a aproximar-se de 1, mas com uma incidência num patamar “relativamente baixo”.

Uma incidência baixa – muito poucos novos casos confirmados – leva a que “qualquer pequeno surto tenha agora um grande peso” nos números, em particular no Rt.

“Neste momento, perante os números que estamos a ter, vamos estar um pouco sujeitos a estas perturbações que poderão ser coisas normais”, refere Óscar Felgueiras, dando o exemplo do Algarve: segundo os dados desta sexta-feira do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, a região regista o maior Rt do nacional, com 1,29; no entanto, os dados do Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) indicam que é a região com a incidência mais baixa de Portugal, com 50 novos casos por 100 mil habitantes. Com tão poucos casos, o aumento do índice de transmissibilidade pode dever-se a um único surto.

O matemático refere, por isso, que o Rt deve ser permanentemente monitorizado, mas que a situação só se torna preocupante se este indicador se fixar acima de 1 “de forma sustentada”. Isso seria sinal de que existe transmissão comunitária que não está a ser interrompida, permitindo por sua vez “um crescimento sustentado dos casos”. Algo que não acontece se o surto for controlado: “com testagem rápida e rastreio rápido de contactos poderemos não ter situações de demasiado alarme”.

Por outro lado, manter de forma permanente o Rt abaixo de 1 “não é possível”.

“Isso significaria que estávamos a caminhar para a eliminação do vírus, a caminhar para zero casos. E não é isso que vai acontecer, não tenhamos ilusões”, diz. “A incidência está a baixar – o que é bom –, mas havemos de chegar a uma altura em que naturalmente haverá alguma estabilização, pelo menos.”

O cenário é esse, para já. Segundo Óscar Felgueiras, nada aponta para um agravamento da situação, que implica “um aumento sustentado de casos, o que levaria a termos um Rt acima de 1. De momento não se vê isso”.

Sugerir correcção
Ler 13 comentários