Advogados: Hora de verdade

O recente relatório do grupo de trabalho sobre a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores concluiu aquilo que todos nós já tínhamos como praticamente certo: o sistema é insustentável, tal como está, e os incumprimentos decorrentes da pandemia, somados aos já existentes, agravaram ainda mais o (des)equilíbrio financeiro da instituição.

Os advogados estão a atravessar um período decisivo, com a crise pandémica a exacerbar problemas que já vinham de trás e que foram persistindo sem que se implementasse uma solução. Esta situação é notória no que respeita ao regime de previdência e à rede assistencial com que a classe (não) pode contar. Todas as outras fragilidades da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) são, neste momento, bem evidentes.

Está em causa, nomeadamente, o desajuste ao nível das contribuições, que não estão diretamente ligadas ao rendimento declarado, mas, antes, estruturadas em escalões, sendo que o mínimo é de €251,38, mesmo para quem não tem qualquer tipo de rendimento. E este pagamento é, a par das quotizações para a Ordem dos Advogados, um custo obrigatório para a manutenção da inscrição na Ordem, ou seja, para que os advogados possam continuar a exercer. O princípio da capacidade contributiva está, como se percebe, arredado desta equação, o que é profundamente injusto.

O recente relatório do grupo de trabalho constituído por elementos indicados pela Ordem dos Advogados, Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e pela própria CPAS concluiu aquilo que todos nós já tínhamos como praticamente certo: o sistema é insustentável, tal como está, e os incumprimentos decorrentes da pandemia, somados aos já existentes, agravaram ainda mais o (des)equilíbrio financeiro da instituição. Que soluções tem a CPAS para quem não consegue pagar as contribuições? Este é o momento em que tudo está a ser posto em causa.

A CPAS, revela o mesmo estudo, é sustentável durante mais 15 anos, ainda assim evidenciando problemas ao nível das contribuições. Mas, e depois? O que sucede a contribuintes e beneficiários após a rutura financeira do sistema? Esta é uma questão fundamental para milhares de beneficiários e contribuintes, muitos deles, findo aquele horizonte de 15 anos, ainda não terão atingido a idade de reforma.

Oportunidade única

Devemos caminhar para a integração da CPAS na Segurança Social? Permitir aos advogados optarem entre um ou outro sistema? O que acontecerá à CPAS se uma percentagem significativa dos seus contribuintes optarem pela Segurança Social? Vamos continuar a ter advogados – os de empresa – que são obrigados a contribuir para os dois sistemas? Queremos continuar a contribuir para uma Caixa que não permite, por exemplo, às advogadas terem uma licença de maternidade com condições mínimas de sustentabilidade, substancialmente inferiores às oferecidas pela Segurança Social? São questões basilares que precisam de respostas fundamentadas que ainda não foram oferecidas aos advogados para que, no momento de decidirem o futuro da sua previdência – e temos de fazê-lo com maior brevidade –, o possam fazer de forma informada e consciente, sabendo de antemão quais as consequências da opção por um ou por outro caminho.

Estamos perante uma oportunidade para discutir o nosso futuro, sob pena de qualquer adiamento contribuir para o agravar da situação. Abrirmos uma discussão séria e aprofundada só será possível com um referendo que a todos envolva na busca da melhor solução para Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução, mas com a garantia de que até a sua realização haverá informação disponível, para que todos possamos decidir em consciência. Caso não exista esta discussão, outros poderão decidir por nós!

Sou claramente favorável à liberdade de escolha, mas não devemos – não podemos – abdicar de informação estruturada antes de o fazermos. O risco de, neste momento tão complicado, com circunstâncias tão únicas, pouco propícias ao discernimento e ao bom senso, tomarmos decisões precipitadas é enorme. Haverá uma data para a realização da consulta aos advogados sobre o que pretendem para a CPAS, mas deverá ser fixada por forma a que todos os interessados possam ter a informação útil sobre o que vão decidir. Faltam estudos sustentados que nos demonstrem quais os benefícios de seguir diferentes caminhos e o que a direção da CPAS fez, neste domínio, é manifestamente pouco.

Não podemos, também, retirar o foco de outras frentes de batalha: o combate contra a procuradoria ilícita, que nos prejudica, no sentido em que atos próprios dos advogados e solicitadores são praticados por quem não está legal nem tecnicamente habilitado a fazê-lo, mas que prejudica, em última análise, os cidadãos, que ficam mais desprotegidos em momentos fundamentais das suas vidas como, por exemplo, a compra e venda de casa. Temos de manter-nos firmes no combate contra as sociedades multidisciplinares, olhando para o exemplo de Espanha, onde esta prática levou à quase extinção dos pequenos escritórios e dos escritórios de advogados em prática individual.

Contudo, é o futuro da CPAS que se assume como o mais urgente, porque é estruturante e porque não podemos fugir a debater e decidir este processo. Não podemos é decidir desinformados, reduzindo posições a um “achismo”.

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