“O perfeccionismo só nos lixa a vida!”

É preciso ter bem presente que de cada vez que cedemos ao perfeccionismo estamos a perder muitas outras coisas que podíamos estar a fazer ou a viver (nem que seja o descanso!).

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@designer.sandraf

Mãe,

Este ano de pandemia fez-me imergir no mundo das tarefas domésticas como nunca antes. Tenho aprendido imenso, mesmo. Não me devia surpreender porque afinal o Sr. Myagi obrigou o Daniel, do Karate Kid, a lavar-lhe o carro como forma de o iniciar na filosofia do karaté, por isso era óbvio que havia de trazer alguma sabedoria. Mas o que percebi é que a nossa interacção com as tarefas domésticas é uma metáfora sobre a nossa interacção com a vida. Partilho consigo as minhas aprendizagens.

#1 O perfeccionismo só nos lixa a vida

Aquela sensação de que podíamos fazer melhor e que temos que tirar todas as nódoas é uma prisão. É preciso ter bem presente que de cada vez que cedemos ao perfeccionismo estamos a perder muitas outras coisas que podíamos estar a fazer ou a viver (nem que seja o descanso!). A arrumação total é etérea por isso não podemos ficar reféns dela. Happy not perfect!

#2 Não há só uma maneira de fazer as coisas

Os perfeccionistas tendem a achar que há uma forma certa e uma errada de fazer as coisas. Sinto-me sempre ridícula quando estou a aspirar e o meu marido me diz que era melhor varrer, ou quando estou a dobrar roupa e vejo o Instagram da Marie Kondo e sinto imediatamente que estou a falhar. O que é uma enorme estupidez. Funciona? Então está óptimo. Na vida é igual, quantas vezes é que no emprego ficamos tão presos no como fazia o nosso antecessor, como o chefe faz; e como mães, no que fazem as outras mães, quanto tempo dão de mamar, quantas horas dormem os miúdos. “Se funciona está óptimo.” É o meu novo mantra.

#3 Às vezes as relações não funcionam

Sejam de amizade ou de amor, às vezes as relações não funcionam e o aparente par perfeito não fica junto. Aprendi isto com as meias. À partida estavam perfeitas e unidas, mas a vida separou-as! Posso escolher entre ficar a chorar ou usar meias de cores diferentes e fazer disso um life statement.

#4 As coisas práticas são boas desculpas para a procrastinação

Quando fico ansiosa com tarefas que me causam emoções difíceis, invento na minha cabeça necessidades absolutas de limpar ou de varrer. É-me mais fácil passar um pano pelo vidro e ver a mancha a desaparecer, do que enfrentar as emoções confusas e os trabalhos ou conversas que são ambíguas e que não se resolvem imediatamente. Não tem mal – e, de facto, a casa fica mais limpa durante as minhas crises existenciais –, mas o desconforto que acompanha a minha procrastinação nem sempre compensa. Quantas vezes não enchemos a nossa vida de pequenas tarefas, compromissos e relações vazias para não lidarmos com as mais profundas e verdadeiras, quantas vezes não ficamos num trabalho que é “funcional e prático” mas que não nos preenche?

#5 A Mary Poppins tinha razão

Quando se tem que fazer uma coisa chata, é bom arranjar-lhe um ângulo divertido. Não me custa nada engomar, se estiver a ouvir um podcast. Como também me facilitará a vida ir às compras (que eu odeio), se for com uma amiga!

#6 Para que serve tudo isto?

Nas tarefas domésticas, como na vida, há momentos em que se pensa “Qual é o objectivo disto tudo?”, porque nos damos ao trabalho de viver se vamos todos morrer, ou em termos mais terra-a-terra, “porquê fazer esta cama quando daqui a umas horas é para ser desfeita?!”. Mas, depois lá fazemos a cama de lavado e quando nos deitamos, e estamos quase a adormecer, pensamos o contrário: “Se é para morrer, que se adormeça numa cama bem-feita”. Que é como quem diz “Já que sabemos o nosso fim, mais uma razão para tornar o dia-a-dia o melhor possível.”


Querida Ana,

Já mandei fazer um pin a dizer “O perfeccionismo só nos lixa a vida!”. Vou passar a usá-lo na lapela, e nos pés já tenho uma meia de cada cor. Mas não fiques triste por elas — descobri há muito tempo que fogem para a Terra das Meias sem Par, que é uma espécie de Bahamas das meias. Vou só ali fazer a cama com lençóis fresquinhos e já volto!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

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