Será o futuro de Netanyahu decidido por um partido árabe?

Nem o actual primeiro-ministro nem a oposição têm caminho para uma coligação. Mas há uma acção em curso para tentar afastar Netanyahu.

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Mansour Abbas é o político do momento em Israel RONEN ZVULUN/Reuters

Com cerca de 88% dos votos contados, a única coisa certa da eleição em Israel de terça-feira é que nem o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, nem a oposição, liderada por Yair Lapid, têm uma via clara para uma coligação. Ironicamente, o que poderá acontecer a seguir está nas mãos de dois políticos, e um deles é um árabe israelita, controverso na sua própria comunidade por admitir coligar-se com qualquer político, incluindo Netanyahu, desde que isso sirva os interesses dos cidadãos árabes de Israel. Até há bem pouco tempo, os partidos árabes abstinham-se até de indicar uma preferência, a única excepção foi nos anos 1990, para aprovar os acordos de paz de Oslo com os palestinianos.

O outro político é Naftali Bennett, antigo aliado e depois rival de Netanyahu, com uma relação complicada com o primeiro-ministro e que quer ser o novo líder da direita em Israel.

Ainda falta contar os votos à distância – maioritariamente de soldados, prisioneiros, e doentes hospitalizados. A ideia de que estes votos vão mais para a direita já não se aplica sempre, e além disso, a diferença entre os blocos não parece passível de ser alterada com a diferença típica destes votos, de um deputado a mais.

O bloco de Netanyahu, mesmo contando com o partido Yamina, de Naftali Bennett, cujo apoio não seria certo, está a dois lugares de uma maioria. Há quem antecipe que o Likud, o partido de Netanyahu, que foi o mais votado mesmo descendo de 38 deputados para 30, possa começar a tentar atrair antigos membros que saíram para o novo partido de Gideon Saar – que os analistas chamam “Likud sem Bibi”, e que obteve apenas seis deputados. 

Mesmo assim, nada muda o obstáculo principal: uma coligação teria de ter o apoio tanto do partido kahanista (do rabino Meir Kahane que fundou o partido abertamente racista Kach, entretanto ilegalizado, que defendia a expulsão de árabes de Israel) e do partido árabe israelita, e islamista, Ra’am.

Um responsável do Ra’am​ pareceu pôr de parte esta hipótese: “Não nos juntaremos a racistas que nos ameacem”, disse Shua Mansour Masarwa, responsável pelas negociações do partido. Mas antes, o líder do partido, Mansour Abbas, declarara que não punha qualquer hipótese de lado.

Quinta eleição

A oposição tem um caminho ainda mais difícil, com uma constelação de partidos muito diferentes entre si, desde os nacionalistas de Avigdor Lieberman, aos partidos árabes, e aos trabalhistas e ao Meretz.

O cenário que muitos analistas põem é de uma quinta eleição mais cedo ou mais tarde: mesmo que Netanyahu consiga uma coligação, o que seria o menos improvável, cada um dos partidos que a compõem poderá levar à queda do governo se retirar o seu apoio. Um governo destes é muito mais sujeito a instabilidade e ninguém espera que dure até ao fim do mandato.

Mas há quem tenha uma ideia para que o país avance após quatro eleições em dois anos, mesmo no caso de uma quinta eleição num futuro próximo. É usar uma maioria anti-Netanyahu não para governar, mas sim para fazer aprovar uma lei que impeça alguém acusado de crimes de ser primeiro-ministro (ironicamente um ministro teria de se demitir se acusado, apenas o chefe de Governo pode manter-se). E assim, forçar a saída de Netanyahu, que enfrenta um processo por corrupção.

O partido de Lieberman está a liderar esta campanha junto dos outros partidos do bloco anti-Netanyahu, segundo o diário Maariv. A ideia é chegarem a acordo para eleger um novo presidente do Parlamento e começar a fazer avançar esta lei.

Esta opção não é livre de obstáculos: o partido Ra’am, cujo apoio seria essencial para aprovar esta medida, tem poder sobretudo enquanto puder ser ele a decidir o destino de Netanyahu (se Bennett também estiver ao lado do primeiro-ministro), nota o jornalista Eylon Levy. Se contribuir para afastar Netanyahu, perde este poder.

Muitos analistas têm dito que as eleições antecipadas, e repetidas, têm servido apenas um fim, o de facilitar que Netanyahu lide com os seus problemas legais.

Há quem diga agora que o corolário é que afastado o primeiro-ministro, poderá desaparecer o maior factor de polarização política e motivo principal do impasse repetido. Há ainda quem acrescente que o sistema eleitoral que promove a fragmentação é parte do problema: nestas eleições foram eleitos 13 partidos para o Knesset.

Mas muitos sublinham que esta polarização tem ofuscado outros possíveis pontos de entendimento. E para Anshel Pfeffer, jornalista do Haaretz e biógrafo do primeiro-ministro, “a principal conclusão da eleição de ontem [terça-feira] é que 57% dos israelitas votaram em partidos que pedem a substituição de Netanyahu”.

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