Angola e Moçambique entre os países em grave risco de fome por causa da pandemia

Relatório das Nações Unidas refere que há 34 milhões de pessoas à beira de uma situação crítica de fome até Julho deste ano.

Foto
Distribuição de ajuda alimentar em Angola o ano passado AMPE ROGÉRIO/

Há 34 milhões de pessoas à beira de cair numa situação grave de fome, alerta um relatório da ONU publicado esta terça-feira que lista os 20 pontos do planeta com maior risco de ver parte da sua população entrar em situação grave de falta de alimento até Julho deste ano. Entre os lugares que atravessam a situação mais aguda estão Angola e Moçambique.

Os três países que ocupam o topo da lista negra são o Iémen, o Sudão do Sul e a Nigéria, cujas populações já estão, ou estão prestes a cair num “nível catastrófico” de fome (a última das cinco fases estabelecidas pela ONU). O director executivo do Programa Mundial Alimentar (WFP), David Beasley, diz estarmos perante “uma catástrofe que se desenrola diante dos nossos próprios olhos” e que está “à porta de milhões de famílias”.

Também Angola e Moçambique se encontram entre os países com maior risco. Em Angola, calcula-se que cerca de um milhão de pessoas possam vir a sofrer de “insegurança alimentar” (fase 3) este ano, um número 17% superior à média anual dos últimos cinco anos. As incertezas económicas trazidas pela pandemia e uma “seca anormal” devido à reduzida precipitação que tem abalado a agricultura são as principais razões apontadas no relatório.

Já em Moçambique, as províncias do centro e sul enfrentam as repercussões das duras condições climatéricas que têm assolado o país, mais precisamente a tempestade tropical no final do ano passado e o ciclone Eloise em Janeiro. No total, 2,9 milhões moçambicanos estão em risco grave de fome até final de Março, segundo as previsões, entre os quais 265 mil em nível de emergência (fase 4). Mas Cabo Delgado, a província do Norte de Moçambique, é onde o risco é de longe o mais acentuado devido ao conflito violento com as milícias jihadistas.

De acordo com o relatório, o número total tenderá a baixar para 1,7 milhões nos próximos meses. Ainda assim, a ONU deixa o alerta de que a situação “pode vir a piorar por causa de uma combinação de factores”, entre os quais se incluem as restrições do coronavírus e um efeito dominó provocado pelo ciclone Eloise. 

Em geral, as principais causas destas crises de fome, segundo o relatório, são os conflitos e outras formas de violência, a pandemia de covid-19 que anda de mão dada com crises económicas, episódios climáticos extremos como o fenómeno La Niña, pragas de gafanhotos, ou ainda as restrições ao acesso de ajuda humanitária vigentes em diversas regiões.

Os pontos de maior risco localizam-se, na sua grande maioria, em África, mas também incluem Afeganistão, na Ásia, Síria e Líbano no Médio Oriente, Haiti na América Latina e Caraíbas.

“A magnitude do sofrimento é alarmante”, alertou o director-geral da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), Qu Dongyu, apelando a que “cabe a todos nós agir agora e agir rapidamente de forma a salvar vidas, salvaguardar os meios de subsistência e prevenir o pior cenário”.

Para evitar que os números previstos pelo relatório se tornem realidade, é urgente que “os conflitos cessem” e “temos de ter acesso às comunidades vulneráveis para prestar ajuda humanitária”, segundo o director da WFP. “E acima de tudo precisamos que contribuam com doações no valor de 5,5 mil milhões de dólares que estamos a pedir para este ano”, apelou.

No início deste mês, a ONU avançou com este pedido para combater a fome no mundo através da assistência alimentar, bem como fornecendo meios de subsistência e dinheiro aos países necessitados.

Dado que muitas regiões estão agora a entrar nas épocas de cultivo, Qu Dongyu avisa que “temos de correr a contra-relógio para não deixar escapar esta oportunidade de proteger, estabilizar e possivelmente aumentar as produções locais”.

No Sudão do Sul, cerca de sete milhões de pessoas estão em risco de subnutrição aguda nos próximos meses, 100 mil dos quais em “nível catastrófico” (fase 5) – um aumento de 700 mil pessoas face ao mesmo período no ano passado.

Ainda em Fevereiro a organização não-governamental Conselho Norueguês para os Refugiados alertara para a “tripla ameaça” que se vive no país, devido ao ambiente de guerra civil e violência que o assola há anos, as recentes inundações que levaram a que milhares de pessoas ficassem desalojadas e precisamente a fome. Aqui as restrições de acesso têm agravado a distribuição de alimentos por parte de organizações humanitárias.

Para o Iémen, a WFP e a FAO prevêem que o número de pessoas em nível de fome aguda dispare para 16 milhões em Junho, mais três milhões do que o número registado em Dezembro de 2020. Também neste país, o principal responsável é o violento conflito que se desenrola desde 2015 e que esmagou o poder de compra da população, afectada pela inflação exorbitante.

As organizações humanitárias têm vindo a alertar para a emergência da crise humanitária vivida pelos iemenitas, onde o auxílio surge dificultado por causa dos combates.

Por seu turno, a ONU prevê que o número de pessoas em risco grave no norte da Nigéria aumente para 13 milhões nos próximos seis meses.

Na lista dos pontos com maior risco no relatório seguem-se o Afeganistão, a República Democrática do Congo, a Etiópia, o Haiti, o Sudão e a Síria.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários