Open Research Europe: Uma revolução copernicana no horizonte científico europeu

Assim como Copérnico apresentou o modelo de um sistema heliocêntrico, em contraposição com o geocentrismo então vigente, a nova plataforma de publicação Open Research Europe, lançada pela Comissão Europeia, abre caminho para uma revisão dos sistemas de avaliação dos cientistas e investigadores.

A Comissão Europeia prepara o lançamento da plataforma Open Research Europe, que se constituirá como um espaço de publicação de resultados de projetos Horizonte 2020 e Horizonte Europa, em total cumprimento com as políticas de acesso aberto.

Com esta nova plataforma, os beneficiários de projetos Horizonte 2020 e Horizonte Europa e os seus investigadores terão uma forma de publicação anunciada como rápida e fácil, com revisão por pares, com integridade, reprodutibilidade e transparência, e sem custos, em todos os domínios científicos: Ciências da Natureza, Engenharia e Tecnologia, Ciências Médicas, Ciências Agronómicas, Ciências Sociais e Humanidades.

A publicação não terá custos para os beneficiários destes dois programas, que serão assumidos por um contrato de serviços de publicação pela Comissão Europeia, e os artigos ficarão disponíveis em acesso livre, para a comunidade científica e público em geral, cumprindo com os parâmetros da ciência aberta, dados abertos e investigação e inovação responsável. É, assim, uma nova alternativa à publicação em gold open access nas editoras habituais e permite eliminar os custos associados, mantendo os direitos autorais, e garantindo o livre acesso à ciência produzida e financiada por fundos europeus.

Em Portugal, o acesso aberto é já a escolha de muitos investigadores, impulsionado sobretudo pela política da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) , mas ainda não representa o paradigma de publicação. Subsistem dificuldades associadas ao desconhecimento, à inércia ou à relação com fatores de mérito científico “tradicionais”, como o sistema padrão associado ao impact factor e número de citações.

Por isso, mais do que um espaço de publicação em regime aberto e sem custos, o Open Research Europe revoluciona por contribuir para a discussão sobre os sistemas de publicação e avaliação dos investigadores. Começa por introduzir relevantes mudanças no modelo de revisão por pares. Será utilizado um modelo de publicação imediata de submissões, seguida de revisão transparente por pares, com os nomes dos revisores, instituições em que trabalham e revisões a serem públicos, assim como as respostas dos autores. Todo este processo de troca de argumentos poderá igualmente ser utilizado para outras investigações e inclusive citado. Medida que comporta um importante aumento de transparência, ao desvendar esta componente do sistema científico de publicação e reconhecer publicamente o trabalho de revisão, mas também por criar condições para o alargamento do debate em torno do que é fazer ciência e das múltiplas dimensões que envolve.

Um dos mais importantes debates prende-se com a recente utilização de métricas na avaliação da produtividade científica (índice h, por exemplo), baseado em citações em revistas científicas. Este modelo, originalmente criado para avaliação das revistas, é de aceitação dominante, mas redutor na compreensão de todas as dimensões do trabalho científico, em que atividades como a transferência de conhecimento para o público, a gestão de recursos humanos e financeiros dos projetos ou a orientação de alunos não são consideradas.

A utilização de métricas, como o Impact Factor, é, muitas vezes, pouco representativa do trabalho e resultados científicos, mas tem hoje forte impacto na evolução das carreiras na ciência, acesso a emprego ou bolsas neste sector, assim como na avaliação de projetos em programas de financiamento. Adicionalmente, contribui para uma investigação em que a quantidade prevalece, ao estimular a opção pela publicação múltipla em séries de artigos em vez de um único mais completo, de forma a aumentar uma linha no currículo e acrescentar um documento na base de dados.

A aceleração de publicação repercute-se na obrigação de as revistas científicas processarem os artigos cada vez mais rapidamente, pressionando os revisores (que realizam esta tarefa de forma gratuita, muitas vezes no seu tempo de lazer) a avaliar de forma célere, dificultando uma revisão mais cuidada dos mesmos. Esta pressão para publicação, cada vez mais acelerada e em maiores números, dificulta também uma reflexão mais aprofundada sobre os resultados obtidos. A vontade de mais ciência e de mais resultados pode dificultar a própria ciência, a ética e a sua relação com a sociedade.

Para cumprir com o imperativo de a ciência devolver à sociedade o conhecimento adquirido é necessário que o sistema científico evolua e o Open Research Europe pode representar um passo importante para se reconhecer que devemos orbitar a ciência de acesso aberto, pois estamos todos, investigadores e cidadãos, debaixo do mesmo Sol.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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