Tem o almirante chefe do Estado-Maior-General das FA condições para continuar?

O chefe militar de escalão mais elevado nunca cumprirá a sua missão se não merecer a confiança daqueles que dele dependem.

Numa altura de grande crise sanitária, económica e social, os senhores ministro da Defesa Nacional e chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas resolveram de um modo estranho abrir uma crise nas Forças Armadas que têm sido sempre um modelo de dedicação ao serviço público, às suas missões e também à nossa população, mesmo quando o poder político não as trata como deveria face à importância que têm para a estabilidade nacional e como um reserva para situações de graves dificuldades. Tal capacidade tem sido comprovada nos últimos anos quando se foram buscar para agarrar o SNPCE, sequencialmente, dois generais do Exército, com o SEF o mesmo aconteceu, bem como para a liderança da distribuição das vacinas anticovid, desta vez com um vice-almirante.

Recentemente, dei uma curta entrevista ao PÚBLICO sobre umas declarações do senhor ministro da Defesa Nacional sobre reformas nas Forças Armadas em que não queria acreditar e, portanto, fiz o possível para não entrar numa matéria surpreendente tendo como base copiar modelos de alguns países da NATO.

Já no século XX, a tendência para a cópia aconteceu em 1911 quando os legisladores resolveram copiar o modelo suíço, em 1926 quando se escreveu que seria de seguir o modelo dos países mais avançados (França e Reino Unido) e em 1937, já nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, apontar para uma solução de um Exército Metropolitano e outro Colonial; só com a Reforma de 1958 o Exército passou a ser integrado. Na década de 1950 começámos a seguir o modelo da NATO para o Exército Metropolitano, embora nos tivéssemos adaptado com grande flexibilidade a forças de contraguerrilha entre 1961 e 1975; depois voltámos às soluções da NATO com sucessivas reformas. Vale a pena lembrar que trabalhei vários anos com a NATO e cada país, embora seguindo modelos parecidos, tem sempre em vista a sua geografia, as suas responsabilidades nacionais e compromissos internacionais. E, assim, as soluções não são todas iguais.

Dito isto, passemos às responsabilidades das chefias militares de topo. O chefe militar de escalão mais elevado, para além de cultura e dos necessários conhecimentos profissionais, tem de ser um exemplo de caráter, de capacidade de liderança, esquecer o corporativismo do seu ramo de origem, ganhando a confiança daqueles que de si dependem; e ainda tem de fazer alguma ginástica para ter um bom entendimento com o poder político, sem pretender ser uma cópia dele. Mas nunca cumprirá a sua missão se não merecer a confiança daqueles que dele dependem.

Neste estranho processo aconteceu que as chefias dos ramos das FA estão contra a proposta que só conheceram muito tarde, levantou-se uma onda de choque coletiva de antigos chefes militares com toda uma argumentação bastante sólida, o nosso próprio Presidente da República, para além de ter sido moderado nas suas palavras, pediu o maior cuidado com as medidas que viessem a ser tomadas, convocou o CSDN, mas foi mais longe, convocou o Conselho de Estado, o que não é habitual para este tipo de matérias.

Como é possível que tal tenha acontecido numa fase tão difícil da vida nacional, quando o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas já tem, além de outras obrigações, o Comando Operacional Conjunto das FA, que nunca falharam nas missões que receberam e cumpriram bem? Para quê querer ser o único interlocutor do MDN e retirar competências ao CCEM? Para quê ir duplicar estruturas ou esvaziar os EM dos ramos? Os chefes dos três ramos das FA que dependem do Presidente da República, seu comandante supremo, deixam de despachar com o MDN? Há algo de muito mau nisto tudo e aparenta ter havido pouca consideração com os ramos, o que adicionado a procedimentos anteriores deixa uma marca de grande atração pelo poder.

Que conclusões se podem tirar? A minha resposta está no título! O chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas tem de ser um comandante que mereça a confiança total dos seus pares e subordinados.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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