A pandemia docente

Peço muito humildemente que se valorize a profissão de professor, a mais importante de todas. Um professor ensina o diplomata, o médico, o enfermeiro, o engenheiro, o construtor civil, o artista, o mecânico, entre todos os outros. Não os julguem, valorizem.

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Daniel Rocha

No presente artigo escrevo sobre uma problemática gravíssima e cada vez pior com o avançar galopante da pandemia: a situação dos professores. É imperativo que se desmistifiquem algumas ideias adoptadas pela sociedade em geral mas que, em várias situações, não correspondem minimamente à realidade.

Em primeiro lugar, começo com uma pergunta para o leitor interiorizar: Quantas vezes já se ouviu o chavão de que os professores ganham muito bem e são ricos? Provavelmente muitos dirão “muitas vezes”. A verdade, se procurada com rigor, revela-se completamente antagónica àquilo que é a ideia formatada. Vejamos, raro é o professor que consegue um salário superior aos 1600 euros, isto muito por força da exorbitante carga fiscal. Poder-me-ão responder “mas 1600 euros é muitíssimo”. Tenho a perfeita noção de que os salários em Portugal são, no seu geral, muito baixos, mas considerarmos que um professor que receba esses 1600 euros é rico é, no mínimo, descabido, até porque esse profissional se formou ao nível superior e investiu muito para isso. A somar ao previamente referido, raro é o professor que chegue ao último escalão das progressões. Para que isso aconteça, é necessário, entre outras coisas, que o professor tenha trabalhado sempre sem nenhum ano de interregno.

Para ascender de escalão, o professor necessita de trabalhar sem interregno. Até este desenlace há todo um outro caminho muito desconhecido a ser percorrido: o percurso cheio de obstáculos até à efectivação. Até que isto se concretize, muitos estão susceptíveis a serem colocados completamente fora do quadro de zona, aliás, completamente fora dos máximos humanamente aceitáveis, com a existência de casos de colocações a mais de trezentos quilómetros dos seus lares.

Por outro lado, podendo não parecer, é um ofício deveras desgastante. Muitos dos que aqui estão a ler, decerto serão pais e sabem, melhor que ninguém, que cuidar um filho, por vezes, não é a coisa mais simples do mundo. Com isto, peço que se imaginem com 25 ou 30 crianças juntas numa mesma sala. Por conseguinte, este é um tema que desencadeia problemáticas umas atrás das outras. Imagine-se o que será um professor, com o cenário exposto, cuja idade seja superior a 60 anos. Sim, porque segundos dados da OCDE a média de idades dos professores em Portugal é altíssima, situando-se nos 49 anos e com a agravante de cada vez menos jovens se interessarem pela carreira docente.

Este dado tem a particularidade de ser comparável à nossa economia, pois se na economia batalhamos para não sermos ultrapassados pelo bloco de leste e ex-comunista (URSS), neste caso das médias de idades dos professores acontece justamente o mesmo: estamos a batalhar por não sermos ultrapassados por países como a Bulgária, Lituânia ou a Geórgia, o que revela muito do défice de reformas estruturais a todos os níveis em Portugal, em particular, na instrução (isto porque dispenso chamar-lhe educação, pois, na minha óptica, a educação é transmitida pela família e os ministérios da Educação são as casas de cada um). Dito isto, é necessário que se esclareça que a função de um professor é transmitir conhecimentos e ensinar e não ocupar-se de transmitir educação, que deve ser responsabilidade dos pais. Ainda neste campo, por muito que a jornada de trabalho de um professor oficialmente não seja das maiores, entenda-se que é raro o dia em que não leva trabalho para casa, seja em reuniões, na preparação de aulas (sim, elas são preparadas), entre outras coisas.

Se a pandemia nos mudou e trouxe muita coisa de novo às nossas vidas, a vida de um professor foi das que mais mudou (muitas vezes para pior). Vejamos, os professores tiveram que se reinventar. As aulas online são o exemplo mais vincado. Sem qualquer formação e preparação, muitos (inclusive aqueles com mais dos 60 anos previamente referidos) tiveram que se adaptar à nova e difícil realidade. Em acrescento, e numa altura em que muito se fala em impactos económicos e no fosso, ainda maior, da pobreza, os professores depararam-se com a inexistência de qualquer apoio estatal. Ainda que o Governo tenha, mais uma vez, falhado nas promessas relativas à entrega de computadores, alguns (muito poucos) foram entregues, mas nunca, nunca houve qualquer ajuda para os docentes. Fora a situação (esta já antiga) dos professores contratados, que muitas vezes nem para a segurança social nem para a ADSE podem descontar. Sim, não é nos EUA, é mesmo cá.

Em suma, sem qualquer tipo de objectivo em lançar anátemas, espero ter elucidado um pouco mais para este problema complexo tratado de uma forma assustadoramente simplista. Mil e poucos euros não é nada, meus caros. Para quem gasta metade em combustível ou em rendas para pagar (a situação de alguém, por exemplo, colocado em Lisboa a receber esse montante, mas a perder metade também na renda), essa quantia é irrisória. Peço muito humildemente que se valorize a profissão, arrisco mesmo a dizer, a mais importante. Um professor ensina o diplomata, o médico, o enfermeiro, o engenheiro, o construtor civil, o artista, o mecânico, entre todos os outros. Não os julguem, valorizem.

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