A próxima era do ditador

Nenhum dos problemas que o Facebook provocou ou exacerbou está resolvido. Porém, é altura de nos preocuparmos com as ideias de Mark Zuckerberg para o futuro.

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Chegou a altura de nos deixarmos de preocupar com o que o Facebook fez: o encolhimento dos tempos de atenção; a preocupação em apresentar ao mundo vidas de aparência perfeita; a polarização e desinformação numa escala sem precedentes; o enfraquecimento dos media tradicionais; o abalar de processos eleitorais em democracias maduras.

Nenhum dos problemas que o Facebook provocou ou exacerbou está resolvido. Porém, é altura de nos preocuparmos com a próxima era do Facebook.

Mark Zuckerberg não é presença habitual à frente de câmaras ou microfones. Mas por estes dias conversou durante 45 minutos com The Information, um site dos EUA especializado em tecnologia. E bastaram uns cinco minutos de conversa para o CEO do Facebook falar entusiasmado sobre realidade virtual e aumentada, e de como estas tecnologias poderão vir a ser usadas pelas pessoas através de interfaces neuronais.

Posto de outra forma: bastaram cinco minutos para Mark Zuckerberg expor um mundo em que a realidade é ainda mais mediada pelo império Facebook, e no qual a empresa liga os seus produtos directamente ao cérebro dos consumidores.

“O santo graal das experiências sociais é a possibilidade de nos sentirmos presentes com outra pessoa”, disse Zuckerberg. “Há algo realmente mágico na sensação de estar com outra pessoa (...). Isto é o que a realidade virtual e a realidade aumentada permitem quando funcionam bem.”

O cenário não deve ser descartado como ficção. O Facebook está a trabalhar com a Ray-Ban para produzir óculos de realidade aumentada cujo aspecto seja semelhante ao de óculos tradicionais. E, há poucos anos, a empresa pôs dezenas de pessoas a trabalhar em tecnologia que permita ao utilizador escrever com a mente, em vez de usar um teclado. (Num desenvolvimento mais prosaico, foi agora noticiado que o Instagram, que é do Facebook, tem planos para uma versão dirigida a menores de 13 anos, que teoricamente estão interditos de usar a plataforma. A expansão continua.)

O poder do Facebook para moldar a sociedade está longe de absoluto – mas é enorme. A empresa já em tempos traçou o objectivo de ser uma espécie de infra-estrutura para todas as interacções sociais, o que torna ainda mais preocupante que Facebook e Zuckerberg sejam indistinguíveis.

Uma democracia saudável não assenta apenas em eleições e na separação de poderes. Os cargos políticos mais relevantes têm uma limitação de mandatos, que evita que pessoas se eternizem no poder, mitiga o risco de desenvolverem vícios e facilita uma fundamental renovação de ideias.

O Facebook é mais poderoso do que muitos países e Zuckerberg é mais poderoso do que a maioria dos governantes. Mas as empresas não são democracias e, no caso particular do Facebook, não há renovação à vista. A estrutura de acções da empresa permite que Zuckerberg mantenha o controlo enquanto quiser. Mesmo num cenário hipotético em que alguém comprasse cada uma das acções dispersas em bolsa, Zuckerberg continuaria a mandar. Os apelos e tentativas de que se afastasse não surtiram qualquer efeito.

Mark Zuckerberg é o primeiro ditador tecnológico. Pela natureza do império Facebook, tem um poder muito superior ao de qualquer outro magnata da tecnologia (pense-se em Steve Jobs, Bill Gates, Jeff Bezos ou Elon Musk). E, mesmo que acreditemos que Zuckerberg possa ser bem-intencionado, é sabido que os ditadores não tendem a melhorar com a passagem do tempo e que as ditaduras benevolentes não produzem bons resultados.

Este texto faz parte da última edição da 4.0, uma newsletter do PÚBLICO sobre inovação, tecnologia e o futuro.

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