Invasores do Capitólio dos EUA podem ser acusados de sedição

Há poucos exemplos de sucesso nos EUA em condenações por conspiração para derrubar o governo, mas o principal responsável pelas investigações acredita que há provas suficientes no caso da invasão do Congresso norte-americano.

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A invasão foi protagonizada por apoiantes do ex-presidente Donald Trump WILL OLIVER

Alguns dos apoiantes do ex-presidente Donald Trump que invadiram o Capitólio dos EUA no dia 6 de Janeiro podem vir a ser acusados de sedição – um crime de conspiração para derrubar o Governo norte-americano, raramente invocado nos tribunais nos quase 250 anos de História do país.

“Pessoalmente, acredito que as provas apontam nesse sentido, e provavelmente são suficientes [para uma acusação formal de sedição]”, disse o principal responsável pelas investigações, Michael Sherwin.

Numa entrevista ao programa 60 Minutes, do canal CBS, Sherwin disse também que o ex-presidente Trump “foi, de forma inequívoca, o íman que levou as pessoas a Washington D.C. no dia 6 de Janeiro”.

“Agora, a questão é saber se ele é criminalmente responsável por tudo o que aconteceu durante a invasão”, disse Sherwin, sublinhando que o Departamento de Justiça “tem pessoas a investigar todas as possibilidades”.

Escolha de William Barr 

Michael Sherwin, de 49 anos, é insuspeito de ter ligações ao Partido Democrata. 

Escolhido pelo ex-procurador-geral William Barr, em Maio de 2020, para liderar de forma interina o gabinete de defesa do governo norte-americano junto dos tribunais de Washington D.C., a sua nomeação motivou acusações de que o Departamento de Justiça estava a dar mais um passo para proteger o Presidente Trump de processos judiciais.

Meses antes, em Setembro de 2019, Sherwin tinha obtido a condenação de uma mulher chinesa que entrara sem autorização na residência de Trump em Mar-a-Lago, na Florida.

Numa acusação liderada por Sherwin na Florida, Yujing Zhang, de 33 anos, foi condenada a oito meses de prisão e foi deportada dos EUA por mentir a agentes dos serviços secretos para entrar na propriedade.

“Isto representa uma politização sem precedentes do gabinete do advogado dos EUA [em Washington]”, disse na altura Stuart M. Gerson, um republicano que foi vice-procurador-geral durante a Administração de George Bush. “É um golpe político, não há a mínima dúvida disso.”

A entrevista ao canal CBS, no domingo, aconteceu dois dias depois de Michael Sherwin ter deixado de liderar as investigações. Como é habitual nas transições de poder na Casa Branca, a Administração Biden nomeou outro responsável para liderar o gabinete de defesa do governo norte-americano em Washington. 

Mas essa decisão não foi tomada logo após a tomada de posse, a 20 de Janeiro, e Sherwin foi mantido no comando das investigações até agora, num sinal da confiança que a Administração Biden tinha nele.

Mais de 400 acusados

Até ao momento, o Departamento de Justiça apresentou acusações contra mais de 400 pessoas envolvidas na invasão do Capitólio dos EUA, em Washington D.C. – o edifício onde funcionam a Câmara dos Representantes e o Senado, as duas câmaras do Congresso norte-americano.

A esmagadora maioria são acusações de invasão de propriedade federal e agressão de agentes da autoridade, incluindo Brian Sicknick, o polícia do Capitólio que morreu durante a invasão depois de ter sido atingido na face com uma substância tóxica.

Nos casos mais graves, o Departamento de Justiça fez também acusações de desordem civil e obstrução dos trabalhos do Congresso. 

No momento da invasão, os congressistas e os senadores norte-americanos estavam reunidos na cerimónia de confirmação da contagem dos votos do Colégio Eleitoral – o último e definitivo passo no longo processo de confirmação do vencedor da eleição presidencial como Presidente dos EUA, dois meses antes.

Se vier a confirmar-se, a acusação de sedição poderá estar reservada para os membros de grupos radicais e milícias armadas como os Proud Boys, os Oath Keepers e os Three Percenters. 

Mais de 40 elementos destas organizações de supremacistas brancos e da extrema-direita foram vistos no terreno, no dia 6 de Janeiro, a saírem mais cedo do comício de Trump em frente à Casa Branca, onde o ex-presidente instou os seus apoiantes a marcharem até ao Capitólio.

A partir de milhares de vídeos gravados pelos próprios apoiantes de Trump – e dos depoimentos, sob juramento, de centenas de suspeitos e acusados –, os investigadores perceberam que alguns grupos paramilitares planearam e executaram a invasão de forma coordenada, a coberto de uma multidão convencida de que as eleições de Novembro foram fraudulentas.

“No início era [uma manifestação] pró-Trump, mas evoluiu para uma acção anti-governo, anti-congresso e anti-institucional”, disse Michael Sherwin na entrevista à CBS.

Golpe de Estado

Nos últimos 25 anos, o Departamento de Justiça só conseguiu ganhar em tribunal dois casos assentes numa acusação de sedição – o dos responsáveis pelo atentado à bomba contra o World Trade Center, em 1993; e o do independentista porto-riquenho Oscar López Rivera, em 1981.

Nos EUA, a acusação de sedição – geralmente entendida como “uma conspiração para derrubar ou destruir pela força o Governo dos Estados Unidos” – tem um passado político ligado à tentativa de silenciamento dos adversários, mas há pelo menos um exemplo de golpe de estado no país após a Guerra Civil de 1861-1865.

Em 1898, o governo multirracial da cidade de Willmington, no estado da Carolina do Norte, foi derrubado por supremacistas brancos numa conspiração que culminou com o massacre de centenas de negros e abriu uma nova época de segregação racial que iria manter-se nas leis até meados da década de 1960.

“Quando as pessoas dizem que estas coisas não acontecem na América, estão a revelar o seu idealismo, mas também a sua ignorância”, disse o historiador Gregory P. Downs, da Universidade da Califórnia, ao The New York Times, referindo-se à invasão do Capitólio de 6 de Janeiro.

“Já aconteceu. E pode acontecer outra vez.”

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