Suécia quer rasgar acordo com Portugal e aplicar IRS aos pensionistas do “eldorado fiscal”

Regime dos residentes não habituais gera percalço diplomático. Estocolmo segue a Finlândia e quer pôr fim a convenção fiscal de 2002, porque Lisboa ainda não ratificou alteração a essas regras. O objectivo é passar a tributar os reformados suecos que vivem em Portugal.

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Portugal mudou as regras para aplicar IRS aos pensionistas estrangeiros, mas a taxa de 10% é considerada insuficiente pela Suécia Rui Gaudêncio

O jogo da espera chegou ao fim. Depois da Finlândia, a Suécia quer rasgar uma convenção fiscal celebrada com Portugal em 2002 e passar a tributar em IRS os pensionistas suecos que se mudaram para Portugal nos últimos anos e que têm beneficiado de uma isenção do imposto cá e lá.

A decisão foi anunciada nesta segunda-feira pelo Governo sueco, liderado pelo social-democrata Stefan Lofven, que irá propor ao Parlamento do seu país o fim daquela convenção, pelo facto de Portugal ainda não ter ratificado as novas regras acordadas em Maio de 2019 entre os dois Estados.

Se a proposta passar, a partir de 1 de Janeiro de 2022 os pensionistas suecos beneficiários do regime português dos residentes não habituais (RNH) passarão a ser tributados em IRS na Suécia e deixarão de beneficiar das vantagens desse programa, visto de fora como um “eldorado fiscal”.

Confrontado com a decisão, o Ministério dos Negócios Estrangeiros respondeu ao PÚBLICO que “o Governo português toma nota da intenção comunicada pelas autoridades suecas”, não tendo indicado se irá ratificar o acordo de 2019.

muito que Estocolmo é crítico do regime especial de IRS, porque as reformas pagas na Suécia a quem se mudou para território português não são tributadas em Portugal e, ao mesmo tempo, o próprio reino sueco está impedido de as tributar no seu território, por causa da combinação das regras do programa do RNH com as regras da convenção fiscal que já existiam antes.

A Suécia conseguiu convencer Portugal a assinar em Maio de 2019 uma emenda a essa convenção de 2002 (em vigor desde finais de 2003) para poder passar a tributar os pensionistas suecos, e não demorou a ratificar o texto. Como Lisboa, pelo contrário, está a demorar a fazer a ratificação na Assembleia da República, o Governo sueco decidiu agir unilateralmente perante a passividade de Portugal em dar seguimento ao que ficou convencionado bilateralmente há mais de um ano e meio.

Com o fim da convenção fiscal anterior, a Suécia vai poder cobrar IRS aos pensionistas que continuam a receber as pensões pagas pelo sistema nacional e que têm estado isentos desse imposto nos dois países.

A Suécia está a fazer o mesmo que a Finlândia fez em 2018, justamente porque Portugal também foi deixando uma convenção na gaveta e Helsínquia, não gostando desse gesto, rompeu o acordo original que tinha quase meio século.

Entretanto, já depois de assinar com a Suécia a alteração à convenção original, o Governo português alterou em 2020 as regras do regime fiscal dos pensionistas, para passar a tributar as suas pensões obtidas noutro país, através de uma taxa de 10%. Mas, mesmo assim, a aplicação dessa taxa única é considerada pela Suécia como um passo insuficiente, ao deixar os emigrantes suecos numa posição de vantagem face aos que permanecem na Suécia.

O problema que se tem colocado nos últimos anos é a combinação das regras originais da convenção de 2002 com as regras que, mais tarde, Portugal criou com o regime dos residentes não habituais.

A convenção destinava-se a evitar casos de dupla tributação (e, em sentido inverso, evitar que os contribuintes ficassem num terreno neutro em que não pagavam nem num lado nem noutro).

Nessa altura, os dois países chegaram a um entendimento para que algumas pensões fossem tributadas na fonte (isto é, no país onde são pagas) e outras tributadas apenas no Estado da residência da pessoa. Isso permitia que um pensionista sueco que vivesse em Portugal fosse tributado aqui em IRS.

Só que, quando Portugal lançou em 2009 o novo regime fiscal, este enquadramento mudou, porque o país passou a não aplicar IRS aos reformados a viver em território português que recebem pensões pagas no Estado de origem. Como, ao mesmo tempo, o acordo fiscal impedia a Suécia de tributar as pensões na fonte, estes pensionistas ficaram à margem da tributação, o IRS era de zero. É essa diferença que a Suécia contesta, por uma questão de equidade fiscal entre cidadãos nacionais.

Portugal não é o único país visado pela Suécia, que também quer passar a tributar os pensionistas que se mudam para a Grécia, onde os reformados estrangeiros beneficiam de uma taxa mínima de 10%.

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