Grupo de enfermeiros vai recorrer da decisão da Ordem de arquivar queixa contra bastonária

Signatários da queixa contra Ana Rita Cavaco consideram que a argumentação do conselho jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros é “frouxa e não é válida”.

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A bastonária Ana Rita Cavaco LUSA/Tiago Petinga

O grupo de enfermeiros que fez a participação disciplinar ao conselho jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros contra a bastonária vai recorrer a tribunais administrativos depois da decisão do órgão de arquivar a queixa.

No acórdão a que o PÚBLICO teve acesso, o organismo considera que as várias situações denunciadas se enquadram no âmbito do exercício da liberdade de expressão. A decisão foi aprovada por unanimidade, com 11 votos a favor.

Em causa estava uma queixa contra a bastonária da Ordem dos Enfermeiros na sequência de vários textos publicados na página de Facebook de Ana Rita Cavaco sobre “a conduta alegadamente indevida de alguns cidadãos no que ao plano de vacinação contra a covid-19 diz respeito”. A bastonária dirigiu comentários insultuosos a vários visados nessas publicações, palavras que levaram os signatários da queixa a considerar observarem-se “fortes indícios de violação dolosa de diversas normas legais enunciadoras de deveres deontológicos dos enfermeiros”.

O primeiro signatário da participação disciplinar, Manuel Lopes, professor na Universidade de Évora e ex-coordenador da Rede Nacional de Cuidados Continuados, admitiu ao PÚBLICO que o arquivamento da queixa “não surpreendeu” os signatários, ainda que gostassem que o processo “tivesse tido um encaminhamento diferente”. Referiu ainda que vão recorrer aos tribunais administrativos por considerarem que a argumentação do conselho jurisdicional é “frouxa e não é válida”.

“Põem-se em paralelo duas coisas que não podem estar em paralelo: a liberdade de expressão e a obediência ao código deontológico. Não pode estar em paralelo porque a liberdade de expressão não é valor absoluto em lado nenhum, a liberdade de expressão tem limites, principalmente para profissionais, como é o caso”, disse.

No acórdão, o conselho jurisdicional refere, relativamente a cinco das publicações analisadas, que “nenhum dos aqui visados é enfermeiro e/ou membro ligado à Ordem dos Enfermeiros”, considerando por isso que não se aplica nesta situação uma alínea do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros que refere que um enfermeiro tem o dever de proceder “com correcção e urbanidade” por considerar que esse dever é para com “os membros desta ordem profissional [dos enfermeiros]”.

Manuel Lopes considera esta argumentação “perigosa” por poder “validar o mesmo tipo de discurso perante terceiros, ou seja, perante utentes dos cuidados”.

“Naquele caso, a profissional bastonária exerce a sua profissão enquanto bastonária. Como tal, está igualmente sujeita ao código deontológico como qualquer outro profissional. Não pode de todo dizer que não se aplica porque são pessoas exteriores à profissão”, explicou o representante.

“A enfermagem, como outras profissões, ser auto-regulada é uma abstracção. Concretiza-se no acto de prestação de cuidados. É no acto de prestação de cuidados que o enfermeiro demonstra que interiorizou o código deontológico, que o leva a sério e que o cumpre na íntegra. E o primeiro dever que lá está [no código deontológico] é o respeito absoluto pela outra pessoa. Esse respeito não me dá liberdade para dizer o que apetecer”, acrescentou Manuel Lopes.

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