Uma nova era

Depois do pesadelo da covid, temos de iniciar a era da Economia Natural. Do Homem em respeito pelos limites do planeta. Da economia circular. Das novas energias renováveis. Do respeito pelos outros seres vivos que connosco compõem os ecossistemas.

Este coronavírus maldito que impede a despedida dos que amamos, que tira a saúde e que mata, que destrói empresas e empregos, que tira a liberdade, é ao mesmo tempo o toque da trombeta que avisa todas as terras do Mundo.

Terras onde os nossos antepassados deixaram um rasto de genialidade, de cultura, de novas descobertas, de inconformismo, de progresso, que sempre contrastou com uma tendência insensata, mesmo burra, de tropeçar nas mesmas pedras.

Quando há 200 anos descobrimos nas profundezas do planeta a energia dos fósseis, iniciámos um tempo onde não existiram limites para o nosso génio criador. De repente, cumpriam-se as escrituras e o homem já podia dominar a terra e os seus elementos naturais.

Foi a era do desenvolvimento económico e social, de novas e extraordinárias descobertas na ciência, de níveis de conforto nunca antes sonhados e de um encurtar de distâncias que transformaram o mundo numa pequena aldeia global.

Foi também a era do deslumbramento, em que a humanidade saltou de descoberta em descoberta, com muito poucos momentos em que conseguia colocar limites a si própria.

Os aviões que nos fizeram chegar aos cantos do Mundo foram depois os mesmos que largaram as bombas; os carros que nos faziam chegar mais rápido foram os mesmos que transportaram os soldados num século XX carregado de horrores.

Foi um tempo onde a força das máquinas e das nossas invenções deu também expressão a uma natureza territorial, irracional, de intolerância perante a diferença, que a humanidade infelizmente deixa escrita com sangue nos livros da nossa história recente.

Conversava há pouco mais de três meses com o Prof. Adriano Moreira (dias antes de completar 98 anos), onde este me lembrava, nos lembrava, sobre o momento em que, muito jovem, tinha sido delegado às Nações Unidas. Falava de dois princípios não escritos da Carta das Nações Unidas:

O primeiro era o de mundo único, que significava que não podia haver guerras; e o segundo, que a terra era a casa comum dos homens.

Nenhum deles se verificou. As guerras aconteceram. O hemisfério norte desenvolveu-se à custa dos recursos do hemisfério sul. Os modelos de desenvolvimento geraram riqueza e prosperidade, mas não para todos, gerando também infelicidade, injustiça, desigualdades e milhões de pobres.

Entre o mais pobre de todos está o próprio planeta, agredido, espoliado nos seus recursos, como se não existisse futuro; ao mesmo tempo que a nossa civilização industrial foi enchendo a atmosfera com uma enorme concentração de gases com efeito de estufa, que provocou e que provoca as alterações climáticas.

O ataque às Torres Gémeas, seguido das guerras no Médio Oriente; a crise financeira e depois a crise das dividas soberanas; a crise climática; agora a crise da covid-19 – são tudo manifestações do final desta era.

E nesta desgraça de perda de vidas humanas, nesta dor global que sentimos, é necessário que exista um sentimento de esperança e de mobilização.

Esta é a geração que inicia uma nova era. Não é um tempo de tédio. É um tempo em que teremos de fazer mudanças estruturais em que cada um conta. Em que cada um de nós pode fazer a diferença.

Depois do pesadelo da covid, temos de iniciar a era da Economia Natural. Do Homem em respeito pelos limites do planeta. Da economia circular. Das novas energias renováveis. Do respeito pelos outros seres vivos que connosco compõem os ecossistemas.

A era da Ética Global. Do reforço do papel das Nações Unidas. Do reforço da cidadania ativa. Da consciência que estamos todos ligados. Da sustentabilidade.

A Europa tem sido exemplar. O Mundo precisa de ser exemplar.

Precisamos de um enorme abraço para enfrentar os populismos que irrompem, o racismo que não desaparece, os conflitos militares que permanecem, a fome que mata milhões em todo o Mundo; e, ao mesmo tempo, lidar com os novos desafios da inteligência artificial, da engenharia genética, de uma imprensa livre e independente, da regulação das redes sociais, do empoderamento das mulheres, e o mais importante de todos, o cuidado pelos mais pobres, que são os que mais precisam.

Esta não é uma declaração utópica. É uma declaração de sobrevivência.

A idade da pedra não acabou porque deixou de haver pedras. Acabou porque o homem decidiu que podia fazer diferente e podia fazer melhor.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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