E menos aeroporto e mais comboios?

Equívocos e oportunidades perdidas são coisas que não faltam quando falamos de ferrovia.

A aterragem forçada que a indústria da aviação comercial sofreu com a pandemia é um bom pretexto para reequacionar a política nacional de transportes, mas o mais provável é que um Estado que mantém em exibição a novela da localização do segundo aeroporto de Lisboa há mais de 50 anos, que faz da participação do Estado na TAP um ioiô e que continua a tergiversar na ferrovia venha a perder o momento para mais uns anos de equívocos e oportunidades perdidas.

E equívocos e oportunidades perdidas são coisas que não faltam, especialmente quando falamos de ferrovia. Podemos relembrar o brutal investimento que foi feito em rede viária durante os consulados de Cavaco Silva e de José Sócrates, enquanto a ferrovia definhava. De 1980 até 2019, a rede ferroviária em actividade perdeu mais de mil quilómetros. Podemos sublinhar que, se desde 2012 o número de passageiros em comboio tem vindo a aumentar, é preciso recuar até ao final da década de 1980 para encontrar valores de investimento tão baixos como aqueles que foram feitos em 2012 e 2013. A partir daí, tem vindo a crescer o investimento, mas a performance continua a ser débil quando se constata que no final do ano passado só 5% dos quilómetros previstos no Ferrovia 2020 estavam concluídos.

É um facto que o actual executivo tem vindo a fazer um trabalho assinalável de recuperação do material circulante e que finalmente se quebrou o tabu em que se transformou a discussão sobre alta velocidade em Portugal, com a promessa de uma linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa finalmente inscrita como uma prioridade. Mas não é menos verdade que este é o mesmo país que, já em plena crise provocada pelo aquecimento global, se empenhava em discutir a ponte aérea entre as duas maiores cidades do país e que continua a gastar quilómetros de polémica a discutir um novo aeroporto e parece incapaz de se incomodar com as más notícias na ferrovia.

E elas estão aí, trazidas pelos tais anos de equívocos e oportunidades perdidas, como é a constatação de que no ano europeu da ferrovia Lisboa é das poucas capitais sem comboios internacionais ou, como noticiamos hoje, quando se assinala o fim das ligações nocturnas entre a Portugal e Espanha.

Como chamava a atenção Rui Tavares na quarta-feira, “há qualquer coisa de frustrante quando vemos Portugal ainda a discutir onde pôr um novo aeroporto, quando o resto do mundo anda literalmente a discutir como apanhar o comboio do futuro”. E o nosso futuro precisa mesmo que falemos mais de comboios e menos de aeroportos.

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