Mais de 11 mil juntas médicas já realizadas. Queixas continuam a chegar à provedora da Justiça

Este ano já chegaram à provedora da Justiça 61 queixas relacionadas com atestados multiuso. O Governo prepara nova legislação para simplificar a sua emissão e uma das soluções em cima da mesa é a dispensa de avaliação presencial em algumas doenças.

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Rui Gaudencio

Já se realizaram mais de 11 mil juntas médicas desde que o processo foi reactivado em meados do ano passado, mas o número será maior, pois os dados disponibilizados ao PÚBLICO são de três das cinco administrações regionais de Saúde (ARS). Este é um mecanismo essencial para os doentes terem um atestado multiuso que permite acesso a vários benefícios. Desde Março do ano passado, por causa da pandemia, aceder a uma junta médica – realizada por autoridades de saúde que são por norma médicos de saúde pública tornou-se ainda mais difícil. Este ano já chegaram à provedora da Justiça 61 queixas relacionadas com atestados multiuso.

Até final de Fevereiro deste ano, disse o Ministério da Saúde ao PÚBLICO, “foram constituídas 104 juntas médicas de avaliação de incapacidade: 53 no Norte, 16 no centro, 26 em Lisboa e Vale do Tejo, cinco no Alentejo e quatro no Algarve”. O “maior número desde 2014”, acrescentou, reconhecendo que “os constrangimentos actualmente existentes na emissão de atestados médicos de avaliação de incapacidade constituem um grande desafio”.

O Governo tem em preparação um projecto de decreto-lei “que pretende dar uma resposta estrutural” aos problemas relacionados com as juntas médicas e a emissão de atestados de incapacidade que espera que “possa vir a ser aprovado muito em breve”. A nova legislação “procura definir soluções que permitam a desmaterialização e desburocratização de procedimentos, uma efectiva melhoria no acompanhamento e monitorização dos agendamentos das juntas médicas de avaliação de incapacidade, a introdução de automatismos na emissão de atestados médicos de avaliação de incapacidade, reforço da articulação entre instituições de saúde, dispensa de avaliação presencial do interessado em algumas patologias”.

No início de Setembro de 2020 havia mais de 30 mil pedidos de juntas médicas por realizar em quatro ARS (o Norte não deu dados). Uma parte significativa destes pedidos estava na ARS de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), que contratou 15 médicos para esta actividade. “Com o mês de Fevereiro fechado, realizaram-se na ARSLVT 6604 juntas médicas”, estando agendadas até ao final de Abril 1401. “Estão a ser priorizadas as situações de primeiro requerimento e as mais urgentes” em que se incluem “doenças oncológicas e doenças das crianças” , “dado estar prevista a garantia dos benefícios dos atestados a renovar”.

Na ARS Centro, “os 45 médicos afectos às juntas médicas de avaliação de incapacidade já deram resposta a cerca de 3000 requerimentos”, continuando o conselho directivo “a desenvolver todos os esforços com o objectivo de aumentar a capacidade de resposta — nomeadamente através da contratação de médicos e constituição de novas juntas — de forma a fazer face aos pedidos em espera e diminuir o tempo de resposta aos novos pedidos”.

No Algarve, disse a ARS, desde que iniciaram a actividade, em Agosto de 2020, até ao início de Março deste ano, as quatro juntas médicas efectuaram “1731 avaliações de incapacidade/juntas médicas, de um total de 3521 pedidos que deram entrada em igual período”. Estão, neste momento, já agendas 111 para Abril, estando as juntas médicas a trabalhar para dar “resposta progressivamente a todos os processos”. Os 14 médicos que compõem as juntas médicas são especialistas de medicina geral e familiar e de saúde pública, dos quais seis são médicos aposentados que foram contratados para integrar estas equipas.

As ARS do Alentejo e do Norte não deram números sobre juntas médicas já realizadas, mas ambas disseram estar a fazer todos os esforços para aumentar a capacidade de resposta quer aos pedidos ainda pendentes, quer aos novos que estão a chegar.

Queixas cresceram 600% em 2020

A dificuldade de acesso e a demora na realização das juntas médicas, e consequente emissão do atestado multiuso, levou a que muitos doentes se queixassem à provedora de Justiça. De 2019 para 2020, as reclamações aumentaram 600%. E, apesar das medidas já aplicadas, as queixas continuam a chegar.

“Em 2020, foram recebidas 254 queixas sobre atestados multiuso, a larga maioria das quais reportando atrasos e atrasos por vezes superiores a 12 meses”. Ora “a lei estabelece 60 dias úteis”. “A título de comparação, ao longo de 2019 foram instruídas 36 queixas sobre o mesmo tema”, disse ao PÚBLICO fonte oficial da Provedoria da Justiça. Já este ano, até esta quarta-feira, “foram recebidas 61 queixas similares”.

A situação motivou várias recomendações por parte da provedora da Justiça. No final de Fevereiro de 2020, numa recomendação enviada à ministra da Saúde, Marta Temido, a provedora, Maria Lúcia Amaral, sugeria a revisão do regime legal de emissão de atestados multiuso e que fosse possível a emissão automática do atestado pelo serviço hospitalar responsável pelo diagnóstico de cancro.

Em Julho, já com a pandemia a agravar a capacidade de resposta dos médicos de saúde pública, foi enviada uma nova recomendação à ministra, na qual a provedora da Justiça pedia medidas “extraordinárias e transitórias” para acelerar a emissão de atestados aos doentes oncológicos (novos diagnósticos) e a prorrogação da validade de atestados em processo de renovação.

Ainda no final de 2020, o Governo anunciou a extensão, até 31 de Dezembro deste ano, dos prazos de validade dos atestados que precisam de ser renovados, o que levou a provedora da Justiça a congratular-se com a medida. Mas nesse comunicado lembrou a situação dos novos doentes oncológicos ainda por resolver.

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