Partido curdo luta contra tentativa de ilegalização na Turquia

EUA e organizações de defesa de direitos humanos dizem que proibição do Partido Democrático do Povo, o terceiro maior do Parlamento turco, é mais um passo na erosão da democracia.

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Ömer Faruk Gergerlioglu Reuters

O Partido Democrático do Povo (HDP) prometeu lutar contra a acção de um procurador turco que iniciou um processo no Tribunal Constitucional para ilegalizar o partido – o culminar de um processo contra o terceiro maior partido no Parlamento, que dura há anos, e que se intensificou em particular desde a tentativa de golpe falhada contra o Presidente, Recep Tayyip Erdogan, em 2016. A acção levou os Estados Unidos e a União Europeia a expressarem preocupação.

O procurador diz que o partido é um “braço político” do ilegalizado PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), e acusa-o de ter um papel activo no recrutamento do grupo militante curdo. O HDP nega qualquer ligação aos militantes, que desde 1984 levam a cabo uma insurreição armada contra o estado no Sudeste, de maioria curda – 40 mil pessoas morreram no conflito.

O HDP acusa, no entanto, o regime de fazer política através dos tribunais. Alguns analistas políticos relacionaram esta acção do procurador com o declínio do apoio público ao AKP, partido de Erdogan, e seus aliados nacionalistas, quando o país enfrenta os efeitos económicos da pandemia do coronavírus.

“Esta é uma tentativa desesperada do Presidente fazer parar a queda da sua popularidade e aumentar o apoio a qualquer preço”, disse à Reuters Emre Peker, do grupo Eurasia. “Especialmente”, nota, “tendo em conta a sua posição [passada] de princípio contra ilegalizações de partidos.”

O HDP obteve 11,8% dos votos numa eleição parlamentar em 2018 e tem 55 deputados entre 600, e desde 2016, ano da tentativa de golpe e início de purgas, que foi levantada imunidade a 14 deputados do partido para responder a acusações em tribunal, disse a co-líder do grupo parlamentar do HDP, Meral Danis Bestas.

“Não se pode fazer o que se quiser com deputados eleitos pelo povo”, reagiu o outro líder do grupo parlamentar do partido, Saruhan Oluc.

No dia em que a decisão do procurador foi conhecida, quarta-feira, os deputados do HDP manifestavam-se num sit-in no Parlamento justamente pela decisão do Parlamento expulsar um deputado, retirando-lhe assim a imunidade parlamentar.

Ömer Faruk Gergerlioglu poderá agora passar dois anos e meio nos na prisão por causa de uma publicação que fez nas redes sociais. O post tinha um artigo em que os militantes curdos pediam ao Governo que desse um passo em direcção à paz. Um tribunal de recurso tinha decidido pela manutenção da condenação de Gergerlioglu por “espalhar propaganda terrorista” com essa publicação.

A Human Rights Watch veio notar que o deputado nunca promoveu violência, com esse post, ou com nenhum outro. E ainda que foi retirado do cargo antes de um apelo ao Tribunal Constitucional.

Gergerlioglu e as suas críticas a alguns abusos de direitos das autoridades turcas muitas vezes ignoradas pelos media no país eram especialmente irritantes para Erdogan, diz a AFP. Por exemplo, a sua defesa de mulheres detidas que são obrigadas a despir-se para serem revistadas sem roupa.

Dois antigos co-líderes do partido estão actualmente a cumprir penas de prisão.

O partido pediu aos seus apoiantes para resistir. “Apelamos a todas as forças democráticas, a oposição social e política, e aos nossos, que se juntem numa luta comum contra este golpe político”, disse o HDP no comunicado.

Prometeu ainda reagrupar-se se for proibido, mas o procurador pediu que mais de 600 políticos do partido sejam banidos da actividade política durante cinco anos, o que dificultará qualquer nova formação.

O Departamento de Estado dos EUA disse que a dissolução do HDP “irá subverter indevidamente a vontade dos eleitores turcos, minar mais a democracia na Turquia, e negar a milhões de cidadãos turcos a representação que escolheram”, cita a agência Reuters.

“A caminhar em direcção ao fim do pluralismo”, disse Nacho Sanchez Amor, o relator do Parlamento Europeu para a Turquia. “Que reacção espera a Turquia da União Europeia?” questionou.

O alto representante para a Política Externa da UE, Josep Borrell, e o comissário para o Alargamento, Olivér Várhelyi, criticaram duramente a tentativa de destruir “o segundo maior partido da oposição”, o que equivale a “uma violação dos direitos de milhões de eleitores na Turquia”. Este episódio é o mais recente num conjunto que leva a “preocupação na União Europeia em relação ao retrocesso em termos de direitos fundamentais na Turquia”. 

A relação cada vez mais problemática com a Turquia deverá ser um dos pontos de política externa na agenda para a habitual reunião do Conselho Europeu de Março, nos dias 25 e 26.

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