Bloco quer alargar direito ao teletrabalho a quem tem filhos até 12 anos

Proposta entregue nesta quinta-feira no Parlamento prevê que os empregadores paguem custos fixos com teletrabalho, como comunicações, água ou energia, mas deixa o cálculo em aberto.

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Joé Soeiro, deptado do Bloco de Esquerda, considera que pessoas em teletrabalho estão desprotegidas Nuno Ferreira Santos

O Bloco de Esquerda quer que o direito ao teletrabalho abranja os trabalhadores com filhos até aos 12 anos ou que tenham o estatuto de cuidador informal, desde que isso seja compatível com a actividade. Esta é uma das alterações que o Bloco de Esquerda quer fazer ao Código do Trabalho e que consta do projecto de lei que entregou nesta quinta-feira no Parlamento, onde alarga o leque de despesas a pagar pelos empregadores, deixando em aberto a forma como os custos devem ser calculados.

Nas regras em vigor, o empregador não pode opor-se ao pedido de prestação de teletrabalho quando estão em causa trabalhadores com crianças até aos três anos. O BE propõe que um universo mais lato de trabalhadores possa ter esse direito, indo além do que prevê uma directiva europeia que Portugal terá de transpor até 2022 e que atribui este direito a pessoas com filhos até oito anos.

“O trabalhador com filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou com doença crónica, ou o trabalhador a quem seja atribuído o estatuto de cuidador não principal de pessoa dependente, nos termos da lei, tem direito a exercer a actividade em regime de teletrabalho ou em regime de trabalho à distância, nomeadamente em horário flexível, quando este seja compatível com a actividade desempenhada e a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito”, lê-se no projecto.

O empregador pode recusar o pedido do trabalhador se entender que a actividade não é compatível ou com o argumento de que não dispõe dos recursos e dos meios necessários ao exercício do teletrabalho. Mas essa recusa tem de ser comunicada por escrito ao trabalhador no prazo de 20 dias, especificando os motivos da incompatibilidade das funções com o teletrabalho, cabendo à empresa provar e demonstrar que não tem recursos e meios para aceitar o pedido. O Bloco prevê que o trabalhador possa responder a essa recusa e obriga o empregador a enviar o processo para a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) a quem cabe dar parecer que será vinculativo.

A proposta prevê ainda que o trabalhador tem 90 dias para desistir do teletrabalho e regressar ao trabalho presencial (agora o prazo é de 30 dias) e regula as situações em que o empregador pode ir a casa do trabalhador, prevendo que as visitas ao domicílio ocorram quando o controlo da actividade laboral não possa ser feita de outra forma e sejam marcadas por acordo. Não sendo possível, a empresa deve avisar com dois dias de antecedência.

A proposta do Bloco vem ainda alterar um conjunto de questões que surgiram com a utilização massiva e obrigatória do teletrabalho por causa da pandemia, como é o caso da responsabilidade pelo pagamento das despesas com o teletrabalho ou o direito do trabalhador à desconexão. 

Cálculo das despesas em aberto

Desde logo, o partido clarifica no Código do Trabalho o princípio de que é responsabilidade do empregador fornecer os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação necessários ao teletrabalho e que cabe à empresa o pagamento das despesas, “nomeadamente os custos fixos gerados pelo uso de telecomunicações, água, energia, incluindo climatização, e outros conexos com o exercício das funções”.

Porém, fica em aberto o modo como os custos devem ser calculados. José Soeiro, deputado do Bloco, lembra que o contrato de teletrabalho deve indicar “o modo de instalação e manutenção dos instrumentos de trabalho e o modo de pagamento das inerentes despesas de consumo e de utilização”. Além disso, acrescenta, o cálculo das despesas e o modo de pagamento pode estar previsto em instrumentos de regulamentação colectiva, nos regulamentos das empresas ou por acordo entre as partes.

“O importante é que a lei estabeleça o princípio”, as soluções, adianta, podem passar pela aferição das diferenças nas facturas ou por subsídios regulares ou mensais.

No projecto legislativo, o bloco clarifica ainda os conceitos de “tempo de trabalho” e de “tempo de descanso”, passando a prever que “o período de descanso [do trabalhador] deve corresponder a um tempo de desconexão profissional”. A forma como isso se garante pode ser definido na contratação colectiva, sendo que a violação reiterada deste direito por parte do empregador pode constituir assédio.

O Bloco de Esquerda foi o primeiro partido a apresentar propostas para regular o teletrabalho, mas PS, PSD, PCP e PAN também vão apresentar projectos próprios. José Soeiro diz que é cedo para avaliar se haverá convergência entre as várias propostas. “Sem conhecer as formulações exactas é difícil dizer em que matérias estaremos de acordo”, afirmou, acrescentando há matérias consensuais como a consagração na lei do pagamento do subsídio de refeição a quem está em teletrabalho, o pagamento das despesas, o respeito pelo tempos de descanso ou o reforço dos direitos de privacidade.

“Como sabemos, nestas questões o detalhe é tudo”, concluiu durante um encontro com jornalistas para explicar a proposta do partido.

O deputado reconhece que, embora “os trabalhadores em teletrabalho estejam bastante desprotegidos”, o projecto não permitirá resolver as questões no imediato. “A lei é para regular para a frente. No imediato cabe ao Governo garantir que a sua interpretação é cumprida pelas empresas”, afirmou, garantindo que o Bloco procurará “imprimir urgência ao processo” para o discutir em breve no Parlamento.

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