Sistema turístico: na cooperação é que está o ganho

Nos momentos mais difíceis de uma sociedade – neste caso, com especial enfoque nas instituições e empresas do amplo cluster do turismo e hospitalidade – impõe-se não perder o rumo e a racionalidade.

Na compreensão do sistema turístico, bem como nas ações que sobre ele se vão realizando, é fácil identificar três ‘corporações’ principais, que assim resumo:

a) a da política e da administração pública;
b) a do trade (empresas e colaboradores); e
c) a da academia.

Isto, sendo certo que existem alguns agentes com arrumações menos definidas, como, por exemplo, aqueles que intervêm na formação profissional e na consultoria (em ambos os casos, entre o trade e a academia). Esta leitura também é válida em termos internacionais, mas é no âmbito nacional que agora me pretendo focar.

A experiência de muitos anos a viver o sistema turístico português, em diferentes conjunturas e interpretando diversos papéis, diz-me que o relacionamento entre as três ‘corporações’ acima identificadas nem sempre é sinérgico. Não o diria antagónico, mas também não o identifico como sistematicamente cooperante. Aqui ou ali vemos duas ‘partes’ a trabalhar em conjunto, mas quase nunca as três ao mesmo tempo. Exemplos: a administração pública e o trade, nas atividades de regulação; a administração pública e a academia, ou o trade e a academia, em alguns projetos de consultoria; mas também observamos que a academia raramente é chamada a opinar sobre a regulação, ou que essa mesma academia investe menos do que deveria em estudos sobre as profissões e a vida das empresas, ou que o trade não desafia a academia para reflexões sobre os seus próprios problemas de operação.

Confesso que não me motiva dissecar culpas, até porque nenhuma das três ‘partes’ do sistema turístico estará isenta de responsabilidades nesta matéria. Falo em responsabilidades, porque acredito que o déficit de comunicação entre os vários agentes do sistema em nada é benéfico para o seu melhor funcionamento.

Perante o momento calamitoso que vive a oferta turística portuguesa, em razão dos efeitos da pandemia covid-19, as empresas, e com elas a administração pública, entregam todo o seu foco e esforços à luta pela sobrevivência imediata. Resistir, para mais tarde retomar nas melhores condições possíveis. É compreensível que assim seja? Sim. É adequado que assim seja? Não.

Nos momentos mais difíceis de uma sociedade – neste caso, com especial enfoque nas instituições e empresas do amplo cluster do turismo e hospitalidade – impõe-se não perder o rumo e a racionalidade. É fundamental salvar as empresas e os seus postos de trabalho, no imediato, mas não é menos importante percebermos como nos vamos reerguer. Nem seria avisada a falta de escrutínio sobre as razões de uma quase generalizada ausência de planos de gestão do risco. Muitos dirão: “Que disparate! Mas alguma avaliação de risco poderia ter perspetivado a situação que vivemos?” É verdade que não, mas, contudo, algumas empresas resistem melhor do que outras…

Voltemos ao tópico principal deste artigo: a cooperação entre os vários agentes do sistema turístico. Enquanto uns estão totalmente absorvidos pelo dia-a-dia caótico das empresas e pelo apoio que lhes tem de ser prestado, outros, por solicitação alheia ou por determinação própria, deveriam estar afincadamente a produzir pensamento mais estrutural (1), estes últimos, obviamente, baseados em informação para a qual todo o sistema tem de contribuir. Cada um no seu papel, todos a contribuir para o bem comum. Cooperar é o desafio.


(1) A ESHTE e o Instituto Politécnico de Setúbal têm em curso um projeto neste âmbito: RE.COV.ER. Este estudo, conduzido pelas/o docentes Maria de Lurdes Calisto, Teresa Costa e Jorge Umbelino, com a colaboração das estudantes de mestrado Madalena Rebelo de Andrade, Carolina Portugal e Carolina Lourenço já apresentou os primeiros resultados. Vai ocorrer brevemente uma nova diligência de recolha de informação.

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