Prevenção da corrupção: planos há muitos, falta controlo das práticas

Conselho de Prevenção da Corrupção identificou factores de risco em toda a cadeia de decisão na Administração Pública e em todos diz existir “controlo deficiente” das práticas. O relatório segue para PGR, CSM e entidades auditoras e de fiscalização.

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José Tavares é o presidente da CPC e do Tribunal de Contas Daniel Rocha

Há “controlo deficiente” em toda a cadeia de decisão da Administração Pública — central, regional, autárquica e entidades com funções delegadas (no sector da segurança, educação e saúde). Os mecanismos de prevenção da corrupção até existem, mas a falta de controlo na sua execução é a grande lacuna detectada pelo Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), organismo que funciona na órbita do Tribunal de Contas, no seu último relatório.

Desta vez, o CPC não se limitou a fazer um documento com números das comunicações recebidas pelos tribunais no ano passado sobre situações de fraude e corrupção. Faz uma análise qualitativa, identifica os principais factores de risco e anuncia que vai enviar o relatório para o Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria-Geral da República e outras entidades com funções de auditoria, controlo e inspecção, como o Tribunal de Contas e as inspecções regionais e sectoriais.

Fazê-lo, afirma-se no relatório, é uma forma de “promover e reforçar o envolvimento da cultura administrativa relativamente aos riscos e à importância da adopção eficaz de medidas e instrumentos de prevenção”.

Da análise às 738 situações reportadas pelos tribunais durante o ano de 2020, o CPC identificou factores de risco na decisão administrativa, na contratação pública, na acumulação de funções e na concessão de benefícios e apoios financeiros. Mas também no exercício de funções delegadas, na gestão de recursos, na tesouraria e contabilidade e até na gestão de sistemas informáticos.

Em todas estas áreas, o ponto comum é o “controlo deficiente”. Detectou-se o “exercício de poderes discricionários” nos processos de decisão administrativa e falta de vigilância sobre os conflitos de interesses e sobre os procedimentos de atribuição de benefícios públicos. Verificou-se ainda falta de controlo sobre a gestão de recursos, humanos ou patrimoniais, “incluindo a utilização de veículos, equipamentos e outros bens ou valores” e “controlo deficiente” dos procedimentos de cobrança, registo e contabilização de verbas e valores pelos serviços.

As principais tipologias de crime associadas às 738 comunicações judiciais recebidas foram essencialmente a corrupção (237) e o peculato (190), a que se juntam, em menor dimensão, crimes como o abuso de poder (82), a participação económica em negócio (70) ou a prevaricação (57).

A área da Administração Local é a que surge em destaque com mais de metade dos reportes judiciais (382). Deste universo, assumem particular relevo os municípios, que por si só totalizam 293 comunicações. Já a Administração Central representa cerca de 1/4 das comunicações (187), com destaque para as forças e serviços de segurança (54), seguidas das entidades que operam nas áreas da educação (28) e da saúde (25).

Mas se este é o universo total dos casos comunicados, muito menos são aqueles em que há “elementos indiciadores ou probatórios da ocorrência de delitos”. A maior parte são despachos de arquivamento (396) ou notificações de abertura de Inquérito (240). Apenas 102 são decisões em que se reconhece haver indícios ou provas de crime.

Nas 102 entidades em que isso ocorreu, apenas 68 dispunham de planos de prevenção de riscos de corrupção e infracções conexas, e menos de metade (42) tem cumprido o dever de apresentar os correspondentes relatórios de execução.

O CPC insiste, por isso, na “necessidade de se reforçar a divulgação” das recomendações sobre prevenção de riscos de corrupção e vai comunicar os resultados desta análise às entidades competentes.

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