Bolsonaro nomeia quarto ministro da Saúde desde o início da pandemia

A pasta passa a ser liderada pelo cardiologista Marcelo Queiroga. A mudança, no entanto, não parece indicar alterações à postura do Governo, que continua a rejeitar medidas de confinamento.

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Marcelo Queiroga era presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia Marcos Oliveira/AGENCIA SENADO/EPA

Ao fim de vários dias de intensa especulação, o Presidente brasileiro Jair Bolsonaro voltou a fazer mudanças na pasta da Saúde, nomeando o quarto ministro em menos de um ano. A escolha recaiu no médico cardiologista Marcelo Queiroga, que assume o cargo num dos momentos mais graves da pandemia do SARS-CoV-2 no Brasil. Os aliados de Bolsonaro no Congresso preferiam alguém que representasse uma mudança real no rumo das políticas de combate à pandemia.

A saída de Eduardo Pazuello, o general do Exército que estava à frente do ministério desde Maio do ano passado, foi dada como certa pela imprensa brasileira durante o fim-de-semana, alegando a pressão dos partidos apoiantes do Governo e até problemas de saúde do então ministro. Pazuello chegou a negar a demissão, embora tenha dito que ficaria enquanto Bolsonaro o desejasse.

O desejo durou pouco. Ao fim do dia de segunda-feira, Queiroga foi apresentado oficialmente como novo ministro da Saúde. Horas antes, a primeira escolha de Bolsonaro, a médica Ludhmila Hajjar, tinha recusado o convite, dizendo ter divergências em relação à abordagem do Governo. Hajjar, que defende a aplicação de medidas de confinamento, tem sido crítica da postura de Bolsonaro que não só tem desvalorizado o impacto da pandemia como tem insistido na reabertura da economia e na prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada.

A médica disse ter sido intimidada e até ameaçada de morte por apoiantes de Bolsonaro depois de terem circulado nas redes sociais imagens suas ao lado da ex-Presidente Dilma Rousseff e de virem a público críticas suas à oposição do Presidente a medidas de confinamento. Numa entrevista à CNN Brasil, Hajjar deixou vincadas as diferenças face ao Governo. “Fiquei extremamente honrada com o convite, mas eu sou uma pessoa que pautei minha vida toda nos estudos e na ciência, vou continuar sendo assim e vou estar sempre à disposição do Brasil”, afirmou.

Tudo na mesma

Já esta terça-feira, o novo ministro disse que “a saúde executa a política do Governo” e explicou que a sua tarefa à frente do ministério será a de dar “continuidade” ao trabalho do seu antecessor. "Pazuello tem trabalhado arduamente para melhorar as condições sanitárias do Brasil e eu fui convocado pelo Presidente para dar continuidade a esse trabalho”, afirmou Queiroga.

A nomeação do médico cardiologista dificilmente irá significar uma mudança profunda na direcção das políticas de combate à pandemia. Na sua primeira entrevista, na segunda-feira, o novo ministro já tinha dito que o confinamento “não pode ser política de Governo”, embora não tenha afastado a sua aplicação em “situações extremas”, que não precisou quais seriam. Queiroga também deixou em aberto a possibilidade de os médicos continuarem a prescrever medicamentos sem eficácia comprovada, como a hidroxicloroquina, para tratar doentes infectados.

As declarações de Queiroga surpreenderam, especialmente porque a Sociedade Brasileira de Cardiologia, à qual presidia, tinha desaconselhado a prescrição da hidroxicloroquina aos seus associados. No entanto, este ponto é crucial no entendimento de Bolsonaro daquilo que deve ser o combate à pandemia – foram desacordos sobre o tema que levaram à saída de Nelson Teich, ao fim de menos de um mês como ministro.

Queiroga foi uma escolha pessoal de Bolsonaro. Ambos conhecem-se há vários anos e o médico até integrou a equipa de transição para a nova Administração, no final de 2018. “Não é uma pessoa que tomei conhecimento há poucos dias”, afirmou Bolsonaro sobre o novo ministro. 

Pazuello, pelo contrário, estava totalmente alinhado com a postura de Bolsonaro. A sua saída é atribuída à necessidade de aliviar a pressão sobre o Ministério da Saúde numa das alturas mais graves da pandemia, mas também era uma exigência dos partidos do “centrão”, que apoiam o Governo no Congresso, e receiam ser responsabilizados nos seus estados pelo agravamento da situação sanitária. O ministro também estava pressionado pela abertura da investigação à sua conduta na crise de fornecimento de oxigénio nos hospitais de Manaus, em que há suspeitas de negligência.

Há dúvidas, no entanto, se o perfil de Queiroga, que pouco parece vir mudar nas políticas de combate à pandemia do Governo federal, agrada aos aliados de Bolsonaro no Congresso – fundamentais para bloquearem, por exemplo, qualquer tentativa de abertura de um processo de destituição contra o Presidente. Segundo a imprensa, Hajjar era o nome preferido pelo “centrão” para ocupar o cargo.

O Brasil está há várias semanas a registar um aumento contínuo na média móvel diária de mortes – houve 1275 óbitos só nas últimas 24 horas e esta terça-feira deverá ser ultrapassada a marca dos 280 mil mortos. Ao mesmo tempo, os sistemas hospitalares estão em colapso em praticamente todas as capitais estaduais e a vacinação segue um ritmo muito lento.

A progressão da pandemia no maior país sul-americano está a causar preocupação junto da própria Organização Mundial da Saúde, que deixou apelos ao Governo para que adopte “medidas enérgicas” para conter a propagação do vírus e das suas variantes.

O agravamento da situação levou vários governadores a decretarem medidas de confinamento, horários de recolher obrigatório e o encerramento de estabelecimentos comerciais, entrando em rota de colisão com Bolsonaro, que os tem criticado e até ameaçado.

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