Novas torres do Restelo até podiam ser mais altas, diz a Câmara de Lisboa

Cidadãos encontraram no chat do YouTube o espaço de debate que faltou à sessão. Ali se discutiram já as próximas iniciativas de contestação ao projecto camarário.

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Perspectiva de como poderá ser o empreendimento. A arquitectura dos edifícios ainda não está definida CML/ESTÚDIO 18:25

Há não muito tempo, quando a Câmara de Lisboa queria apresentar e discutir os seus projectos com a população, escolhia-se um mercado ou o pavilhão desportivo de uma escola e lá se passavam longas horas de animada troca de ideias, que não raras vezes descambava em gritaria de parte a parte. Eixo Central, turistificação do centro histórico, vedação de Santa Catarina, Martim Moniz, novo esquema de trânsito na Baixa, torre da Portugália: todos os grandes temas recentes da cidade tiveram a sua sessão mais ou menos acalorada, frequentemente com autarquia e moradores em pólos opostos.

A discussão sobre as novas torres do Restelo não foi excepção. Só que em vez de protestarem de viva voz, os lisboetas descobriram no chat do YouTube uma nova ferramenta para exporem dúvidas e críticas – e até para organizarem os próximos passos de contestação ao projecto. Nas duas horas que durou a apresentação camarária desta segunda-feira, os comentadores começaram por ter perguntas e terminaram a prometer lançar uma petição pública.

Às nove da noite, instalados em poltronas de couro nuns Paços do Concelho a fazer lembrar um talk-show das manhãs televisivas, três vereadores dispuseram-se a responder às dúvidas sobre as operações de loteamento previstas para o Alto do Restelo. A intenção da autarquia é promover a construção de 11 novos edifícios, cinco deles com o perfil de torre, o que está a gerar uma grande preocupação na zona. As perguntas dos lisboetas foram enviadas antecipadamente e seleccionadas antes da sessão.

A primeira palavra do vereador do Urbanismo foi para tentar tranquilizar as hostes. “Estes projectos que estamos a discutir não interferem em nada com os espaços já construídos nem com o modo de vida das pessoas”, afirmou Ricardo Veludo, garantindo “um cuidado muito especial em ter uma solução urbanística e arquitectónica com muita qualidade”. Admitindo que as imagens virtuais já divulgadas “servem para a ajudar a compreender qual é o ambiente que se pretende criar” e não correspondem necessariamente ao resultado final, o vereador assegurou ainda assim que “a câmara terá a capacidade efectiva de obrigar a que [os projectos] tenham um nível de qualidade tão bom ou ainda melhor do que este que é aqui apresentado”.

Depois, provocando uma primeira onda de comentários impacientes na audiência, que chegou a ser de quase 350 pessoas em simultâneo no Youtube, a vereadora da Habitação deu uma longa explicação sobre o Programa de Renda Acessível (PRA) e as políticas de habitação do município. Nos edifícios previstos para o Alto do Restelo deverão ser criados 629 fogos, 70% dos quais destinados a ser arrendados a preços abaixo dos praticados no mercado privado.

Segundo Paula Marques, a câmara tem actualmente 1600 fogos em estudo, em projecto, em preparação de empreitada ou em obra. Estão a ser preparados seis concursos para a vertente público-privada do PRA (um deles será o Restelo) e em Abril e Maio haverá novos sorteios de casas.

O seguinte no alinhamento da emissão foi João Paulo Saraiva, vice-presidente da autarquia, que rejeitou a ideia de que os imóveis já existentes no Restelo vão desvalorizar com a concretização deste projecto. “Parece-me evidente que não vai ser necessário ninguém ser indemnizado. Aquela zona vai sair profundamente valorizada”, garantiu, opinando igualmente sobre o modo como está a decorrer a discussão pública. “Seria absurdo, seria muito menos produtivo, que tivéssemos construído uma discussão em vazio. Quando temos uma ideia concreta, podemos sugerir em cima dessa proposta um conjunto de alterações e é dessa discussão que vai certamente resultar um projecto melhorado”, disse. Mais tarde repetiria: “É assim que nós entendemos que se deve fazer participação pública.”

Cerca de mil novos habitantes

Coube à arquitecta que coordena o grupo de trabalho do PRA explicar os contornos exactos do projecto e responder à maioria das questões que se seguiram. Sara Ribeiro descreveu como a equipa chegou a esta proposta de disposição e volumetria dos edifícios. “Fomos interpretar o território e privilegiámos a chegada a partir da Av. Ilha da Madeira”, revelou. Nessa artéria, os edifícios ou são paralelos ou perpendiculares à via e, no lado direito de quem sobe, têm em média nove pisos. “A nossa proposta é dar continuidade a esta lógica.”

Assim, os novos prédios deverão ficar perpendiculares à avenida e vão crescendo em altura consoante se sobe a encosta. “Se quiséssemos cumprir o máximo definido no PDM, poderíamos ter em todos os edifícios mais 3 pisos”, disse. “Atendendo a todo o contexto da envolvente, não quisemos optar por esta volumetria tão mais densa. No que respeita a edificabilidade, estamos sempre abaixo dos parâmetros do PDM, nos espaços públicos estamos sempre acima”, vincou Sara Ribeiro.

O que, no entanto, não cala as vozes mais críticas e duvidosas, que não entendem porque é que a câmara segue o modelo de construção em altura e não opta por edifícios mais baixos. Com as novas torres, parte das vistas sobre o Tejo que actualmente se obtêm a partir dos Moinhos de Santana ficam obstruídas. A uma pergunta sobre este ponto, Sara Ribeiro apenas disse: “A nossa proposta não bloqueia totalmente.”

Outra preocupação patente nas perguntas diz respeito ao futuro esquema de circulação viária e ao estacionamento, que a autarquia garante estar dimensionado à ocupação que se espera. Serão 950 a 1000 habitantes novos, disse Ricardo Veludo.

Já para o fim do serão ficou por responder uma pergunta sobre prazos e articulação com organizações locais feita pelo coordenador do grupo cívico Vizinhos de Belém, o que originou um movimento de indignação no chat do Youtube: “RESPONDAM AO GONÇALO”. A resposta lá veio, da boca de Veludo, outra vez em tentativa de apaziguamento: “O objectivo da discussão pública é precisamente ajudar os projectos a ficarem melhor. Tomámos boa nota das preocupações sobre a altura dos edifícios”, afirmou.

Entre juras de que todos os contributos serão ponderados, os Paços do Concelho mergulharam por fim no silêncio. Nas redes sociais, porém, a conversa segue animada.

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