Ana, Maria e Daniela: as únicas mulheres ao leme de associações académicas

Chamam-lhes “histéricas, arrogantes, mandonas”. Em 2021, em 18 federações e associações académicas, são apenas três as mulheres presidentes. “É porque o contexto não as incentiva? Porque não têm interesse? Porque sentem que não são capazes? É falta de perfil? Eu duvido.”

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Maria Ferreira, Ana Gabriela Cavilhas e Daniela Sofia Faria

As federações e associações académicas representam um conjunto de associações de estudantes das faculdades e institutos politécnicos de cada universidade ou região do país. Em 18 federações e associações académicas portuguesas, são três as mulheres na presidência da direcção, cinco vezes menos do que os homens.

Ana Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto

Em 32 anos de existência, a Federação Académica do Porto (FAP) teve apenas duas mulheres na presidência da direcção. A primeira, Ana Luísa Pereira, eleita em 2016. Ana Gabriela Cabilhas, eleita em 2020, é a segunda.

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Ana Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto.

“Não descurando o mérito e competências de cada pessoa, na FAP sabia à partida que queria dar espaço para que outras mulheres demonstrassem o seu potencial. Acho que a sensibilidade para esta questão é maior quando a liderança é feminina. Eu procurei tê-la.” A distribuição de género na equipa de Ana Gabriela é quase perfeita. Cinco homens, quatro mulheres.

Quando entrou no associativismo, em 2016, recorda, a desigualdade de género era maior, reconhece uma evolução. Ainda assim, Ana Gabriela vê um longo caminho a percorrer. “As instituições de ensino superior devem inspirar a mudança, promover a igualdade de género, colocando mulheres nos cargos de decisão, a nível académico e científico.”

Durante dois anos, Ana Gabriela Cabilhas foi presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. Ganhou o gosto pela representação estudantil e integrou, depois, a Federação Académica do Porto. No final de 2020, abraçou sem medo o desafio da presidência, sabendo do ano complicado que se avizinhava.

“O associativismo estudantil é uma escola de cidadania. Contribuímos para o bem da comunidade estudantil. É o que me move”, diz Ana Gabriela, também estudante, de 24 anos. “Quando se ganha o gosto, é difícil deixar para trás uma causa.”

Em 2021, a FAP está preocupada em apostar na inovação pedagógica, na adaptação a um sistema de ensino mais moderno e na garantia de empregos dignos e de qualidade para os recém-diplomados, que entram no mercado de trabalho durante a pandemia. O desafio maior, contudo, é outro, diz Ana Gabriela. “Conseguirmos estar próximos dos estudantes, estimular o sentido de pertença ao ensino superior, à academia do Porto, porque há um tempo que não volta atrás. Esse é um desafio maior.”

Daniela Sofia Faria, presidente da Associação Académica da Universidade dos Açores

Cresceu na ilha do Faial, mas mudou-se para Ponta Delgada para estudar Psicologia na Universidade dos Açores. No terceiro ano da licenciatura, Daniela era representante de curso na Associação Académica, onde se destacou seu trabalho e, por isso, foi convidada a formar uma lista candidata à presidência. “O que me motivou na associação foi perceber que estava nas minhas mãos o poder de fazer mais pelos outros, pelos meus colegas. Fez-me sentir realizada.” Cumpre, em 2021, o segundo mandato. “Da pesquisa que fiz, a associação tem 41 anos e eu sou a quarta mulher presidente. É quase uma por década. E sou a primeira mulher a cumprir dois mandatos.”

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Daniela Sofia Faria, presidente da Associação Académica da Universidade dos Açores.

No primeiro mandato, esforçou-se por conseguir uma lista equilibrada quanto à representatividade de género. No segundo, aconteceu o que não queria. “Consegui mais mulheres do que homens, foi uma dificuldade encontrá-los. Ainda não percebi porquê. Não sei se será porque os homens não querem estar abaixo de uma mulher. Ou se está apenas relacionado com os gostos e aspirações dos estudantes da universidade.”

Enquanto presidente da direcção, tem estado focada na aproximação a outras associações académicas em Portugal Continental. Por vezes, um gesto simples como adicionar a associação académica a um grupo de WhatsApp entre todas as federações do país é o suficiente para fazer a diferença. “Tem de partir de nós também procurar os outros e não só esperar que nos incluam. Já é um passo para estarmos mais próximos, apesar da distância.”

“Quando imaginei a possibilidade de presidir à associação, nem pensei na questão de ser homem ou mulher. Partiu de um homem, o antigo presidente, assumir que as pessoas mais preparadas na sua equipa eram mulheres.” Hoje, Daniela Sofia Faria, de 23 anos, vê as mulheres no poder como um exemplo para o próprio trabalho. “Se queremos deixar um mundo melhor para as próximas gerações, temos de agir agora. Temos de dar um grito, mas também têm de estar disponíveis para nos ouvir. Nós, mulheres, não esperamos nada mais além daquilo que já fazemos pelos outros.”

Maria Ferreira, presidente da Associação Académica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

De volta ao Norte de Portugal continental, a Associação Académica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro é presidida, pela primeira vez em 33 anos, por uma mulher. “Na universidade, a eleição foi vista como uma vitória, toda a gente me apoiou muito”, conta Maria Ferreira, estudante de mestrado em Engenharia Agronómica, que tomou posse a 24 de Fevereiro de 2021, no dia de aniversário da associação.

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Maria Ferreira, presidente da Associação Académica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

“A nossa universidade sempre viveu muito da proximidade, estamos num campus único, era algo muito natural. Este ano terá de ser trabalhada, para que os alunos se sintam à vontade para partilhar os seus problemas.” Os dados de um inquérito feito aos alunos, pela associação académica, demonstram que 40% já pensaram desistir do ensino superior. Uma das prioridades da associação para 2021 é, por isso, o combate ao abandono escolar, seja por questões de saúde mental, pelas dificuldades do ensino à distância ou por questões financeiras.

O ensino online, diz Maria, veio relevar o que estava disfarçado, “um ensino expositivo, onde não há discussão ou debate”. “É preciso uma renovação”, afirma, não só em Trás-os-Montes, mas a nível nacional.

“Quando percebemos que somos capazes de provocar a mudança, quando somos ouvidos pela reitoria... A representação dos estudantes torna-se quase viciante. Estamos sempre a contribuir para a evolução da qualidade do ensino”, conta a presidente, que já estranha os dias em que a associação não recebe e-mails a relatar os problemas dos alunos.

Ao longo do percurso no ensino superior, Maria Ferreira fez parte do núcleo de estudantes de Bioengenharia, do conselho pedagógico e académico, colaborou no departamento recreativo da associação académica, chegou à vice-presidência, e, depois, à presidência. Do que conhece da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, nunca sentiu o preconceito em relação ao género. O facto de nunca nenhuma mulher ter presidido à associação académica parece ter sido, afirma, “uma coincidência”.

“Se virmos que há mais mulheres nos cargos de dirigentes associativas, torna-se natural. É um caminho alcançável”, diz Maria, de 21 anos. “Acho que na minha geração já não há tanto esse preconceito.”

Sofia Escária, antiga presidente da Federação Académica de Lisboa

Em 110 anos de história, Sofia Escária foi a primeira, e única, mulher presidente da Associação de Estudantes do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG). Em 2019, assumiu a presidência da Federação Académica de Lisboa, uma federação recente, com apenas seis anos, mas que já representa cerca de 60 mil estudantes de Lisboa. Deixou o lugar na direcção no final de Fevereiro de 2021.

Mais do que uma vez confessaram a Sofia que, no início do seu trabalho na Federação Académica, sentiram necessidade de a testar, de perceber até onde podiam ir. “Teceram, por vezes, comentários machistas. Já me disseram: ‘Essa conversa de serem mulheres fortes e independentes significa que não o são, ou não teriam necessidade de o afirmar.’ E eu ficava muito revoltada.” Recebeu, também, muitos conselhos: “Não fales com a tua voz normal, senão vão achar que és uma querida e vão abusar da tua confiança” ou “Não podes ser tão assertiva! Vão achar que és arrogante”.

“Se somos assertivas, somos histéricas, arrogantes, mandonas. Enquanto os homens são puramente confiantes, sabem do que falam. Infelizmente, esta visão ainda é uma realidade”, afirma.

Durante a campanha para a candidatura à Associação de Estudantes do ISEG, foi também comparada à personagem Lisa Simpson, nas páginas humorísticas de memes nas redes sociais, criadas frequentemente pelos alunos de cada curso ou faculdade. Para si, a comparação foi, na verdade, um elogio, porque “a Lisa é inteligente, boa aluna, veste-se bem, é bonita, é feminista, tem imensa assertividade e confiança”.

Sofia Escária sentiu que a “objectificação do género” continuava bem presente no meio académico, e, por isso, ainda é necessário discutir a ausência de representatividade das mulheres. “Elas existem nas associações, nas faculdades, porque é que não há mais mulheres presidentes? É porque o contexto não as incentiva? Porque não têm interesse? Porque sentem que não são capazes? É falta de perfil? Eu duvido.”

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