Da liberdade de chegar a Marte ao medo no Planeta Terra

O medo é um peso que subjuga. E, no entanto, o que leva ao medo pode levar à coragem e à liberdade porque o medo é tão pesado que tem de se esconjurar.

São estranhos estes dias que vivemos. Há dias a nave equipada com o Preserverance Rover aterrou em Marte após percorrer 470 milhões de quilómetros. Os cientistas responsáveis por esta odisseia imaginam que os humanos possam lá ir em breve.

Tratou-se de uma viagem com um significado excecional, histórico. A nossa inquietação aliada à inteligência levou-nos a este novo planeta.

Há quinhentos anos os portugueses passaram o Cabo onde a partir do qual o mar fervia e tudo era monstruoso.

Nem o medo dos monstros, nem o medo do Cosmos reteve a inquietação, a busca, a suplantação, a inteligência dos seres humanos.

Entretanto, uma proteína só detetável ao microscópio amedronta-nos, confina-nos, tolhe os nossos movimentos. Fecha-nos em casa.

Este novo medo veio juntar-se a outro. Há décadas que o sistema financeiro que governa o mundo nos amedronta com a palavra crise. Esta palavra é talvez a mais usada em termos políticos, sociais, económicos, ambientais e culturais.

Só há espaço para as crises. Umas muito grandes, outras permanentes. Estamos em crise. Crise do sistema financeiro, crise energética, crise habitacional, crise económica, crise ambiental, crise de valores, crise de envelhecimento, crise na segurança social no ensino e na justiça. Está tudo em crise. Parece que já não se pode viver sem ser em crise. A crise traz medos. O medo de perder o emprego, o medo da subida dos oceanos, o medo de não pagar a renda ou de não ter dinheiro para pagar a prestação ao banco, o medo de envelhecer e não ter ninguém, o medo de sair à rua, dizem alguns, apesar de Portugal ser um dos países mais seguros do mundo. Medo de ir a tribunal, quando devia ser exatamente o local onde os cidadãos honestos se deviam sentir confortados. O medo que não se seja tratado como se deve ser nos hospitais e nos centros de saúde e até nas repartições públicas. Vivemos cercados pelo medo.

O mal do medo é impedir-nos de ser como somos, seres com sentimentos e capazes de mudar as coisas, as vidas e o mundo, como vemos com a nova palavra, amartagem.

Só que o medo, como sempre, acaba por despertar a adormecida coragem e aí volta a liberdade. Os que destilam o medo como forma de vida já deviam saber que nada é definitivo.

O medo é um peso que subjuga. E, no entanto, o que leva ao medo pode levar à coragem e à liberdade porque o medo é tão pesado que tem de se esconjurar.

Há por detrás deste tempo de medo um outro tempo, o do medo apenas próprio de cada individualidade, os nossos medos que os psicólogos e psiquiatras ajudam a ultrapassar.

Olhando para o azul do céu, imaginando o voo da nave, nas asas do sonho, o medo não será a única forma de viver.

O ser humano está numa encruzilhada e pode escolher, deixar que a prepotência, o poder cego mande ou erguer-se como ser bípede que é e, tendo todo o horizonte à sua frente como limite, dê a mão aos outros caminhantes e prossiga a senda dos seres irmanados que partilham o mesmo destino, mesmo quando disso não dão conta.

Que caminhos pela frente! Que espinhos! E, apesar de tudo, resta a esperança. Que nunca falte mesmo nestes tempos desesperados. Voemos nas asas do sonho sem medo de viver. Seres irmanados entre si e com a Natureza.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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