Zangada com o mar

Uma criança deixa de falar quando perde os pais num naufrágio. Noa é uma história triste, mas também de superação e de reconciliação com a vida. A luz e calor das ilustrações atenuam o drama

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Raquel Costa
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Capa do livro “Noa”, editado pela Oficina do Livro Raquel Costa

Uma tragédia entra pela vida adentro de uma criança. Foi o mar que a trouxe e o avô que a anunciou. E logo ali Noa perdeu a voz. “Eles mentiram-me. Abandonaram-me. Desistiram de mim. Será que me portei mal?

Um naufrágio de pesca leva-lhe os pais e a vontade de falar. Sobre a mãe: “Ela disse que eu não precisava de ter medo do escuro, porque nunca me deixaria sozinha. Mas agora está escuro, e ela não está aqui…” Sobre o pai: “Ele disse que vinha a correr, se eu chamasse. Mas eu estou farta de chamar, e ele não vem… Não deve ouvir a minha voz a tanta água de distância.”

A autora do texto, Susana Cardoso Ferreira, disse ao PÚBLICO, quando o livro foi publicado, no Verão de 2020: “Ter feito isto à Noa, matar-lhe os pais, foi dificílimo. Ela começou a sofrer e eu também. Não me apetecia usar palavras supérfluas, tal como Noa, apetecia-me ficar em silêncio.”

A menina foi viver com o avô, mas acabou por se ver rodeada de outras pessoas na “casa mais alta do que larga”, com jardim e de onde se avista o mar. Mas ela não quer olhar para ele.

Um corvo, uma ex-professora, um amigo do avô e uma miúda tagarela preenchem agora os dias de Noa. A pouco e pouco, a vida reformula-se. “Tenho esperança de ter passado a mensagem de que a vida continua e que é possível reconstruí-la, ter novas famílias. O mundo continua, é diferente, mas não é mau”, disse então a autora, que é também tradutora de literatura infanto-juvenil.

Dar luz e calor à história

Agora, foi a vez de escutarmos a ilustradora, Raquel Costa, que nos diz: “Não queríamos que fosse um livro sombrio e triste. A ilustração funcionou como contraponto, com luz, calor e textura.” Formada em Artes Plásticas – Escultura, conta como a leitura do texto teve em si “uma ressonância emocional forte” e que o processo criativo foi muito “guiado pelo instinto”. Fala ainda “na sintonia feliz com a Susana”, já que ambas estavam “à procura de uma voz autoral genuína, espontânea e livre”.

Alguns pormenores das ilustrações não constam da história, “gosto de acrescentar elementos na transfiguração em narrativa visual”, mas Raquel Costa não quis criar imagens demasiado pormenorizadas. “Procurei desenhar sem excesso de detalhes. É preciso saber quando parar e evitar melhoramentos. Só estraga. Há que ser contida na metáfora visual.”

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No início, foi preciso “partir muita pedra”, diz. “A fase inicial nunca é fácil. Demora a sentirmo-nos confortáveis dentro do desconforto das páginas em branco.” Depois de ambas se sentirem “alinhadas”, foi mais fácil e fluente.

À medida que ia desenhando, ia mostrando os esboços para aprovação. “O trabalho faz-se por avanços e recuos. Podemos aperceber-nos de que o fluxo tem de ser transformado e algumas ilustrações reconfiguradas ou mesmo excluídas”, descreve a também professora na Escola Superior de Design, do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave.

Noa foi desenhado “exclusivamente com técnicas digitais”. Uma opção que teve que ver com o confinamento e com a possibilidade de se “saltar passos, como digitalização e pormenores de artes finais”. Assim, foi mais rápido e prático.

Ainda que goste de “sentir o lápis a riscar a folha”, defende que o digital permite igualmente “criar camadas e simular a pintura e fluidez” das imagens. Já não consegue imaginar Noa criado de outra forma.

Com este livro, Raquel Costa integrou a lista de 303 ilustradores seleccionados pela Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha (de entre 3235 candidaturas de 68 países). Não passou ao escrutínio seguinte, em que foram escolhidos os 77 que irão expor na próxima edição da feira, em Junho.

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“Estaria mais feliz se tivesse sido seleccionada para a fase seguinte, mas estou muito orgulhosa por estar tão bem acompanhada nesta lista”, disse ao PÚBLICO no dia em que se soube que os portugueses a integrar a mostra em Bolonha seriam Catarina Gomes e Tiago Galo.

Quanto a Noa, já não afasta o olhar da nesga de mar que avista do jardim da casa. Mas é preciso deixar o tempo fazer o seu trabalho.

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