A conversão dos convertidos?

Pergunto-me: são os jovens que leem pouco ou é a geração que tem os filhos agora a estudar que quase deixou de ler?

Portugal é dos países da Europa onde menos se lê e onde menos livros se compram. O país vive divorciado da leitura e isso espelha-se no escasso consumo de jornais. Quando se olha para os números o retrato é desolador: cerca de 40 por cento dos portugueses leem apenas um livro por ano. Ora não é novidade nem escândalo que para muitos portugueses os livros estão na primeira linha do supérfluo. Porquê?

Pegando nos números de uma pequena experiência social que fiz: coloquei o mesmo post factual em duas redes sociais, o Facebook e o Twitter, obtendo reações divergentes.

No Facebook, rede que “controlo” ao seleccionar quem é “amigo”, multiplicaram-se os comentários daqueles que leem e leem muito, seja comprando livros novos, seja adquirindo usados, seja recorrendo a empréstimos em bibliotecas. Em termos etários é a minha geração ou a geração pouco abaixo ou pouco acima da minha, e são pessoas com quem partilho interesses comuns, entre eles o da leitura. Na minha bolha lê-se, oferecem-se livros, compram-se livros e neles se encontra algo que nos interpela. Porém, como dizia Ortega Y Gassett:”Eu sou eu e a minha circunstância”.

No Twitter, rede social que não “controlo”, o post, como se diz em novilíngua, “viralizou”, sobretudo entre millennials (nascidos entre 1981 e 1997) e a Geração Z (nascidos a depois de 1997). Cito alguns comentários: “Ya, porque é que eu vou gastar dinheiro num livro se o posso ter online?”, “Não gosto e não tiro prazer nenhum a ler. Não acho que seja grave para mim…”, “eu devo ser o gajo que mais desce esta média, ahahahaha”, “aos 21 anos li 3 livros até ao fim, not proud mas it is what it is”. Vários dos comentários referiam o elevado preço dos livros em Portugal.

Mesmo descontando a irreverência refrescante da juventude e a provocação própria das redes sociais e não confundindo o género humano com o Manuel Germano, para citar Mário de Carvalho, por quê é que muitos jovens e jovens adultos não leem, nem valorizam a leitura? O preço dos livros será parte da equação, mas há que olhar a montante.

Ler é um acto e uma escolha individual que abre o sujeito para o mundo e uma rampa de lançamento para a interrogação, para essa virtude moral que é a curiosidade, como disse Amos Oz, “uma pessoa curiosa é melhor pessoa, melhor vizinho, melhor pai, até melhor amante do que alguém que o não é.” Onde se perdeu a paixão? Para que haja reconciliação com a leitura existe uma única condição: não pedir nada em troca. Não se força a curiosidade, desperta-se e não é com fichas de leitura e análise de recursos estilísticos, porque se corre o risco de deixar leitores iniciantes esfalfados pelo caminho.

Pergunto-me: são os jovens que leem pouco ou é a geração que tem os filhos agora a estudar que quase deixou de ler? O que fazer com uma geração de professores da qual fazem parte alguns que confessam sem pudor “não ler livros”? O que fazer com uma geração de professores universitários que não leem romance, ficção, ensaio, poesia, por “falta de tempo”? E que tal ouvirmos os que não leem e ainda estão a tempo de o fazer. Porque lhe são impostos “clássicos canónicos” e não apresentados autores jovens com os quais se identifiquem? Ninguém corre uma maratona sem treino.

Nabokov, no seu ensaio The Art of Literature and Common Sense, refere uma tira de banda desenhada: um limpa-chaminés, enquanto cai telhado de um edifício alto, observa durante a queda um cartaz com um erro ortográfico e interroga-se, em voo picado, porque ninguém se dera ao trabalho de o corrigir. Enquanto sociedade somos um pouco como o limpa-chaminés, estamos em queda, porém em vez nos preocuparmos com o impacto no solo, que se antecipa violento, mortal, olhamos para o “erro ortográfico”.

Os convertidos à leitura não precisam de conversão, olhe-se para os “hereges”.

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