E porque não apoiar o teatro comercial?

No sentido de captação alargada e de transferência de Públicos, e de criação de emprego artístico, um tecido empresarial forte no Teatro Comercial é um contributo para o mais Teatro.

Hoje encerro uma série de artigos (com este são onze), que fui publicando na tentativa de ensaiar propostas articuladas e baseadas num conjunto de medidas estruturantes e estruturadas na vez de medidas compartimentadas e avulsas para o Apoio às Artes. Foi possível graças ao PÚBLICO, ao qual faço questão de agradecer. Sem ele nada teria sido possível.

Muitos outros temas ficam, por ora por tratar: do papel dos Teatros Nacionais à presença do Teatro na Educação em geral ou de medidas para viabilizar o nosso Teatro na Diáspora às intervenções em direcção ao Teatro de Amadores, matéria não falta. Mas este conjunto de artigos restringe-se e explica-se pelo momento em que está em andamento legislação vária tendente a reajustar em concreto as medidas de Apoio às Artes e a funcionalidade da Rede de Teatros e Cineteatros. Até porque a própria pandemia veio trazer à tona de água questões submersas, que fazem desses projectos iniciais coisa ultrapassada. É uma oportunidade única para retirar ilações e mudar um paradigma visivelmente falhado. Infelizmente, não faço muita fé nos resultados do que digo, pelo menos no quadro actual. Mas cumpri um dever de cidadania.

Hoje encerro com a referência a um sector normalmente esquecido: o Teatro Comercial. Se o quid e razão de ser dos financiamentos resultam da ideia de que o Estado intervém para suprir a falta de condições do mercado para projectos iminentemente culturais, que escapam à mera lógica lucrativista, o chamado Teatro Comercial fica, à partida, excluído. Mas não nego que outras formas de estímulo a ele devam ser consideradas. Já o referira, de resto, ao assumir a proposta de medidas que o incluíssem em várias formas e fórmulas pensadas para incentivar a apresentação da Dramaturgia Portuguesa. Aliás, nessa proposta, está mesmo contida a ideia de concomitantemente se estar a apoiar a Criação Literária. Por isso mesmo propunha uma valoração para textos de autores contemporâneos.

Porém, muitas outras formas de estímulo e apoios ao Teatro Comercial têm todo cabimento. O que importa saber, e salvaguardar, é o modus operandi para que se perceba o que é possível, razoável e sustentável. De outro modo, a inclusão acriteriosa de inclusão tout court nas demais medidas de Apoio às Artes, seria estar a financiar o próprio lucro, o que é um absurdo. Por outra parte, é sabido que se um apoio (como no caso da execução de Dramaturgia Portuguesa) fosse cego, isso seria um ‘saco sem fundo’. A proposta de o condicionar de forma tabelada e com tecto máximo, limita o risco. Mesmo assim, só uma medida do tipo (que se citou como exemplo) de se fazer em percentagem do valor total de IVA de bilhetes que o beneficiário pagou no ano anterior, torna praticável a proposta e permite que se estabeleça um automatismo, impedindo a arbitrariedade de escolhas ou preferências injustificadas e injustificáveis; além de que fica garantido no limite de um valor antecedente de receita para os Cofres do Estado, de onde uma parte retorna ao mercado, estimulando-o; e, também assim, arrecadando parte de novo nas taxas e impostos que gera.

Ainda assim, outras iniciativas podem existir em que o Estado apoie, no mesmo sentido, o Teatro Comercial e isso tenha todo o sentido. Por variadíssimas razões, das quais a primeira é nele estar a base da pirâmide de Públicos, que se transferem para outro nível de exigência cultural. Quero dizer a passagem do Entretenimento à Cultura. [Ultimamente é enorme a confusão entre estes dois sectores, mas que importará distinguir, mesmo quando – e é o caso neste momento – a intervenção do Estado é justificável para um e outro]. Nesse sentido de captação alargada e de transferência de Públicos, e de criação de emprego artístico, um tecido empresarial forte no Teatro Comercial é um contributo para o mais Teatro.

Assim, uma vez mais, socorro-me do exemplo espanhol da década de 80 do século passado: atribuir a fundo perdido, uma percentagem do custo de obras em Salas para as dotar de melhores condições para os públicos. Ou mesmo a exploração de espaços ou a cedência de equipamento em regime de comodato. Esta é uma forma de não criar ‘sobrelucro’, mas de melhor servir os Públicos.

Outra forma de apoio financeiro indirecto, não de financiamento directo, passa pela revisão da Lei do Mecenato, aproximando-a da Tax Law norte-americana, em que a verba de um apoio mecenático (percentualmente limitada, naturalmente) é dedutível ao imposto sobre o lucro e não sobre uma percentagem da colecta ou sequer do revenue. Sobre este assunto – e a perversão de nele se incluírem parceiros de ‘concorrência desleal’, que é o caso das Empresas Públicas - muito haveria, ou haverá, a dizer. Mas o que importa realçar aqui é a necessidade de encarar, por moldes mais atractivos para os Mecenas, as formas dos seus apoios, em sede de contabilidade de impostos e taxas. Mesmo que esse mesmo apoio mecenático fosse, por sua vez, taxado sobre quem o recebe.

Uma questão mais polémica, mas que merece ponderação sem a prioris preconceituosos, é a de reflectir sobre a possibilidade de encontrar mecanismos para preservar a Revista à Portuguesa. É um assunto de que se tem fugido inexplicavelmente. Não sendo exactamente o mesmo, valerá, contudo, a pena, lembrar a existência do Teatro Nacional da Zarzuela em Madrid; ou os apoios específicos do Governo da metrópole de Buenos Aires a um género nacional e particularmente porteño, o Sainete. Uma das medidas, mais ou menos pacífica – e uma vez mais, servindo quer os Públicos, quer o emprego artístico –, pode ser um apoio específico para fazer regressar a ela as Orquestras ao vivo na vez de apenas serem musicadas por Banda Sonora.

Mas o assunto não se esgota aqui. Muito mais pode ser realizado, incluindo modalidades de apoio à promoção dos espectáculos, taxas bonificadas em empréstimos destinados à produção teatral (com inclusão de contrapartidas laborais), devolução (parcial) do IVA na aquisição de equipamento técnico, bonificação na taxa de comparticipação do empregador à Segurança Social. E, no quadro concreto da pandemia, outros apoios, mesmo financeiros, justificam-se. Na Grande Depressão de 1929, não sendo a intervenção directa do Estado tradição norte-americana (é-o indirectamente com a já referida Tax Law), financiamentos existiram, incluindo aos Teatros da Broadway.

Uma medida possível e ponderada – isto é apenas uma exemplificação – será a de conceder um financiamento sem juros, em que uma parte percentual pode ser abatida, até um valor também percentual, mas significativo, da contribuição do empresário à Segurança Social, contornando a devolução financeira da totalidade do capital a que acedeu. Era mais outro apoio ao emprego artístico. A contratação, com custo mais baixo, seria atractiva, tanto mais que, e se, em não a realizando, uma parte da poupança desaparece, tendo que a pagar em dinheiro vivo.

Afinal, num tecido produtivo tão escasso e tão frágil, como é o nosso no domínio do Teatro em geral, integrar, na sua reanimação, o sector Comercial, para mim, neste momento, tem sentido.

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