Brasileiros retidos em Portugal pedem apoio de emergência à Segurança Social

Consulados brasileiros recomendaram a pessoas retidas em Portugal por não terem conseguido embarcar para o Brasil, mesmo tendo um bilhete de avião comprado, para se dirigirem à Segurança Social. A linha nacional de apoio social recebeu só em Fevereiro 74 pedidos de brasileiros em Portugal.

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Para dezenas de brasileiros ou residentes no Brasil o regresso é ainda uma miragem Nelson Garrido

Só no passado mês de Fevereiro a linha nacional de emergência social recebeu 74 contactos de cidadãos brasileiros, informou o Instituto da Segurança Social (ISS) nas respostas a perguntas feitas a propósito dos cidadãos brasileiros retidos em Portugal desde que foram suspensas as ligações aéreas entre os dois países.

A entidade explica que “os serviços de acção social do ISS promovem a protecção social de estrangeiros que se encontrem em Portugal através da articulação com consulados ou embaixadas”, mas que também existem situações em que “os cidadãos estrangeiros em território nacional solicitam apoio através desta linha, com serviço ininterrupto, para responder a situações de desprotecção social”.

E foi isso que aconteceu com 74 cidadãos do Brasil. Não é possível saber se todos eles são efectivamente cidadãos brasileiros retidos em Portugal por não terem ainda embarcado nos voos da TAP entre Lisboa e São Paulo autorizados pelo Governo português dos dias 26 de Fevereiro e 10 de Março. Mas o presidente da Associação Brasileira em Portugal, Ricardo Amaral Pessôa, diz ter conhecimento de pessoas “em situação desesperada, sem emprego ou casa para morar” por já terem deixado tudo na perspectiva de um regresso definitivo ao Brasil.

Entre 100 e 200 pessoas responderam ao formulário criado pela associação. Estão a viver com dificuldades em Portugal ou a precisar de regressar ao Brasil por razões de saúde, familiares ou profissionais​. Ricardo Pessôa diz que mesmo com esta informação a ser enviada para os consulados (em Lisboa, Porto e Faro), o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores do Brasil) continua a dizer não ter recursos para ajudar pessoas nessas circunstâncias.

“Estas pessoas não estão a pedir ajuda monetária ao Governo do Brasil. Compraram bilhete, pagaram bilhete, só querem voltar. Continuam retidas em Portugal por incompetência e inacção das autoridades brasileiras. O Governo de Portugal preocupou-se com os portugueses e não se envolve nos problemas por que estão a passar os brasileiros”, afirma Ricardo Pessôa. Os passageiros com voos comprados nas companhias brasileiras Azul e Latam não são transferidos para os voos da TAP programados e as suas viagens também foram canceladas desde o dia 29 de Janeiro. Dois voos já foram realizados pela companhia aérea portuguesa e mais um vai ser operado na segunda-feira 15 de Março, como foi divulgado pela Embaixada de Portugal no Brasil ontem (quarta-feira) ao final da tarde. 

Também há quem tenha bilhete da TAP, como Thaissa Machado, e não esteja a conseguir garantir lugares nesse voo de 15 de Março. “Liguei esta manhã [de quinta-feira] e já me disseram que estava cheio”, disse ao PÚBLICO a cidadã de 30 anos com dupla nacionalidade. Tem uma bebé de dois meses, está desempregada desde o ano passado (quando engravidou o seu contrato não foi renovado) e está a morar com os pais em dois quartos emprestados por um casal amigo na Marinha Grande.

Antes, também não conseguiu trocar a sua passagem inicialmente marcada para 28 de Fevereiro para lugares nos voos da TAP de 26 de Fevereiro e de 10 de Março para repatriamento de cidadãos em ambos os países com bilhetes comprados na TAP. Este último saiu ontem de Lisboa e regressa esta quinta-feira de São Paulo trazendo passageiros portugueses retidos no Brasil ou cidadãos estrangeiros com residência em Portugal.

“Quando ligo para a TAP, pedem a reserva e para confirmar os nossos nomes. Quando confirmo dizem que o voo está cheio e que temos que nos inscrever no formulário da TAP. Estou inscrita na lista da TAP, já preenchi o formulário. Estou inscrita na lista da associação dos brasileiros em Portugal. Não sei o que mais posso fazer. Chega a ser absurdo”, diz Thaissa Machado. 

Informações contraditórias

O motivo das chamadas dos 74 brasileiros para a linha nacional de emergência social é tratado como informação reservada. Definidas como situações de vulnerabilidade e de protecção sociais por esta linha de apoio de emergência são as que não têm “asseguradas as condições mínimas de sobrevivência”. Na sua página na Internet, o ISS esclarece que esta linha se dirige a pessoas sem-abrigo, vítimas de violência doméstica ou em situação de perda de autonomia e ainda a crianças e jovens em perigo.

Para os casos de pessoas em situação precária ou sem rendimentos que já tinham comprado bilhetes para regressarem ao Brasil em Fevereiro e Março, o Governo brasileiro apresentou como solução o recurso à Segurança Social, dizendo que os consulados do Brasil em Portugal poderiam accionar estes serviços públicos ou instituições não governamentais de apoio. 

De acordo com correspondência trocada entre entidades oficiais do Brasil a que o PÚBLICO teve acesso, os consulados justificaram que os cidadãos regularizados em Portugal podem ter esse apoio e disseram que estavam eles próprios “a accionar essas ajudas” junto da Segurança Social para cidadãos brasileiros retidos em Portugal.

Porém, em resposta ao PÚBLICO, o Itamaraty diz que “os pedidos de assistência partem sempre dos interessados ou de seus familiares”. E esclarece: “Os consulados não buscam activamente os brasileiros que possam estar em situação de desvalimento.”

Governo do Brasil relativiza

Além do mais, “não é possível fornecer informação” sobre o número pessoas em situação de desprotecção social, diz. Mas acredita que, como grande parte destes nacionais brasileiros tem autorização de residente, as suas situações estarão, na maioria dos casos, estabilizadas: “Visto que o turismo de cidadãos brasileiros está proibido em Portugal desde o final de 2020, grande parte dos nacionais afectados possui autorização de residência naquele país e permaneceu em suas moradias habituais, não tendo buscado assistência consular.” 

Dos 74 cidadãos brasileiros que recorreram à linha nacional de emergência social, não é possível saber se todos eles são cidadãos brasileiros retidos em Portugal por não terem ainda embarcado nos voos da TAP entre Lisboa e São Paulo autorizados pelo Governo português nos dias 26 de Fevereiro e 10 de Março. Certo é que entre esses, em Fevereiro, estão brasileiros a quem os seus consulados tinham sugerido informalmente para procurarem os postos de apoio alimentar para os sem-abrigo

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