O último episódio do The Crown

Para terminar, revelaram que a família real afinal não é tão diferente das outras e há pelo menos um supremacista da monocromia sentado à mesa do banquete de Natal.

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Reuters/HARPO PRODUCTIONS

O último episódio do The Crown teve uma reviravolta inesperada. Numa entrevista emocional, o relutante príncipe Harry e a sua mulher Meghan resolveram usar o quase extinto e intimista meio de comunicação televisivo para partilhar com dezenas de milhões de pessoas a relação turbulenta entre o casal, a monarquia britânica e os tablóides. Ficámos a saber várias coisas.

Meghan ficou surpreendida com os formalismos e vénias à sua volta por parte dos familiares da Rainha, mesmo em privado. Vê-se claramente que nunca teve que interagir com a elite portuguesa com a sua predilecção por deixar comuns mortais pendurados quando os cumprimentam com um beijinho. Até teve que fazer pesquisas no YouTube para aprender o hino e etiqueta real e não fazer figuras tristes em cerimónias oficiais. Demos todos graças por ter sido poupada pelo algoritmo e não ter sido mais uma convertida ao QAnon.

Pelo que parece, a sua cunhada tem algum gosto por fazer chorar familiares nas vésperas dos seus casamentos. Quem acompanha as comparações escabrosas entre as duas princesas no jornalixo britânico, não fica surpreendido que a animosidade eventualmente se transponha para a vida privada. É certo e sabido que o tipo de cobertura varia consoante o conteúdo de melanina de cada princesa. O déjà vu e a comparação com o assédio e clima tóxico que rodeavam a sua falecida mãe levaram o Duque de Sussex a pegar nas malas e preferir procurar refúgio nuns Estados Unidos à beira da guerra civil. Afastado financeiramente da instituição monárquica, Harry pretende singrar como podcaster numa singela casa de 15  milhões de dólares, nove quartos e 16 (!) casas de banho. Os tablóides já não sabem para onde se virar, agora que o ângulo de explorador de impostos já não pode ser usado. Pode ser desta que se foquem finalmente na parte da realeza associada com traficantes de menores.

Para terminar, revelaram que a família real afinal não é tão diferente das outras e há pelo menos um supremacista da monocromia sentado à mesa do banquete de Natal. Já temos um novo jogo de tabuleiro com que nos entreter neste terceiro confinamento, o Quem é Quem edição Windsor. Não deixa de ser interessante que haja quem se preocupe tanto com a genética de uma princesa consorte, mas que ignore os problemas associados à consanguinidade na família. Apanhou-nos todos de surpresa. Quem diria que uma família elitista, com membros simpatizantes do nacional-socialismo e à frente de um dos maiores poderes imperialistas de sempre daria um tratamento destes a uma plebeia do Novo Mundo?

A falta de coesão na família real e o seu anacronismo num mundo cada vez mais globalizado é um espelho do resto do país, onde o “Brexit” continua a fazer das suas. O Partido Nacional Escocês quer forçar um novo referendo de independência, uma vez que não se revê no isolacionismo britânico, e até o movimento independentista no País de Gales está a ganhar força. Grupos paramilitares decidiram suspender o acordo de paz de Belfast de forma “pacífica e democrática”, uma maneira passivo-agressiva de relembrar que os conflitos na Irlanda do Norte apenas foram interrompidos temporariamente. E assim, de repente, parece que voltámos à saudosa década de 90. Entre racismo, assédio de tablóides a princesas, possibilidade de terrorismo sectário, uma pandemia de um vírus meio desconhecido, as semelhanças são assustadoras. Só falta mesmo que as Spice Girls voltem aos palcos.

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