Merrick Garland confirmado como procurador-geral dos EUA com apoio republicano

Juiz norte-americano foi impedido de chegar ao Supremo Tribunal em 2016, no meio de um braço-de-ferro entre o Partido Republicano e o Presidente Barack Obama. Agora, tem a tarefa de devolver a imagem de independência ao Departamento de Justiça.

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O juiz norte-americano recebeu 70 votos a favor e 30 votos contra Reuters/KEVIN LAMARQUE

Cinco anos depois de ter visto a sua entrada no Supremo Tribunal dos EUA barrada pelo Partido Republicano, numa batalha política entre os sectores conservadores e liberais pelo futuro do país nas próximas décadas, o juiz Merrick Garland foi confirmado, na quarta-feira, como o novo responsável máximo pela pasta da Justiça.

Na votação final no Senado, na quarta-feira, Garland recebeu 70 votos a favor e 30 contra na sua nomeação para attorney general (procurador-geral, o chefe do Departamento de Justiça), num raro sinal de algum consenso entre o Partido Democrata e o Partido Republicano.

Um centrista num cenário político cada vez mais extremado, Garland, de 68 anos, destacou-se em 1995, quando liderou a investigação do Departamento de Justiça ao atentado à bomba no edifício Alfred P. Murrah, no estado do Oklahoma, em que o supremacista branco Timothy McVeigh matou 168 pessoas, incluindo 19 crianças.

O seu nome voltaria a ocupar os títulos das notícias em Março de 2016, quando foi nomeado pelo Presidente Barack Obama para ocupar a vaga no Supremo Tribunal deixada pela morte do juiz Antonin Scalia.

Em ano de eleição presidencial – ainda que a oito meses de distância –, a maioria do Partido Republicano no Senado conseguiu bloquear o processo até ao fim do mandato de Obama. O bloqueio fez com que a escolha do substituto de Scalia passasse para o vencedor da eleição presidencial de Novembro de 2016.

Com a morte do conservador Scalia, o Supremo ficava a funcionar com quatro juízes liberais e quatro conservadores (um deles, Anthony Kennedy, juntava-se muitas vezes aos liberais), e o Partido Republicano não queria que Obama nomeasse um juiz centrista/liberal para um cargo vitalício.

Com a eleição de Donald Trump, em Novembro de 2016, a vaga de Scalia seria ocupada, em Março de 2017, pelo juiz Neil Gorsuch – um conservador de créditos firmados. 

Nos anos seguintes, Trump teria a oportunidade de nomear mais dois juízes para o Supremo (Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett, ambos solidamente conservadores), deixando aos EUA, por muitas décadas, um tribunal marcadamente conservador.

Na votação de quarta-feira, Garland contou com o voto favorável do líder da minoria republicana no Senado, Mitch McConnell – o mesmo que orquestrou o bloqueio da sua nomeação para o Supremo em 2016, quando era líder da maioria.

Independência da Casa Branca

No cargo de procurador-geral, Garland vai ter a tarefa de demonstrar que o Departamento de Justiça norte-americano é uma unidade independente da Casa Branca apesar de o seu chefe máximo ser o Presidente dos EUA.

É essa imagem de independência, que vem desde a década de 1970 – na sequência do escândalo de Watergate –, que o Partido Democrata diz ter sido apagada em quatro anos de Administração Trump. 

“Depois de Donald Trump ter passado quatro longos anos a subverter os poderes do Departamento de Justiça para seu benefício político, e a tratar o procurador-geral como se fosse o seu advogado de defesa, a América pode respirar de alívio por termos alguém como Merrick Garland a liderar o Departamento de Justiça”, disse o líder da maioria do Partido Democrata no Senado, Chuck Schumer. 

Num dos momentos mais emotivos das audições no Senado, Garland recordou os avós, que fugiram à perseguição dos judeus na Rússia imperial.

“Este país recebeu-nos e protegeu-nos, e eu sinto a obrigação de retribuir”, disse Garland. “Desejo muito ser o procurador-geral que vocês dizem que eu posso ser, e darei o meu melhor para ser esse tipo de procurador-geral.”

Pressões e demissões

Primeiro com Jeff Sessions, e depois com William Barr, os vários casos que envolveram o Presidente Trump desde a primeira hora deixaram o relacionamento entre o Departamento de Justiça e a Casa Branca num estado de tensão permanente. 

Em ambos os casos, essa tensão terminou com um corte de relações entre Trump e os dois responsáveis. Sessions saiu em Novembro de 2018, ao fim de meses a ser humilhado em público pelo ex-presidente norte-americano; e Barr abandonou o cargo a poucos dias da transição de poder para Joe Biden, depois de se ter recusado a corroborar acusações infundadas de fraude eleitoral.

A conturbada relação entre a Casa Branca e o Departamento de Justiça nos últimos quatro anos teve quase sempre como pano de fundo as investigações sobre as suspeitas de conluio entre a campanha eleitoral de Donald Trump e a Rússia, em 2016.

Em 2017, menos de quatro meses depois de ter chegado à Casa Branca, Trump despediu o director do FBI, James Comey; em 2018, as pressões da Casa Branca levaram à demissão do vice-director do FBI, Andrew McCabe, que viria a perder o direito a parte da reforma a apenas 26 horas do prazo legal; e o relacionamento com o director que substituiu Comey, Christopher A. Wray, foi tudo menos pacífico e cordial – Wray nomeou Robert Mueller para investigar as suspeitas de conluio com a Rússia, para irritação de Trump, e insistiu numa posição de independência que levou Joe Biden a mantê-lo na liderança do FBI.

Garland entra para a liderança do Departamento de Justiça numa altura muito sensível em termos políticos e com a tarefa de coordenar investigações potencialmente explosivas – com destaque para a invasão do edifício do Congresso dos EUA por apoiantes de Trump, a 6 de Janeiro; e para uma investigação lançada pelo ex-presidente norte-americano sobre a forma como a Administração Obama e o Departamento de Justiça justificaram a abertura das investigações sobre a Rússia, ainda em 2016.

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