No meu tempo, o professor tinha sempre razão

Destes confinamentos chegam-me relatos de pais que entram pela escola online adentro, protestando com o tom com que o professor falou à sua cria ou até discordando da forma como está a dar uma determinada matéria.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Ana,

No meu tempo, ou pelo menos em minha casa, o professor tinha sempre razão. Quando chegávamos a casa e nos queixávamos de qualquer injustiça ou “maltrato”, a primeira pergunta era “E tu, o que é que fizeste?”. E mesmo que talvez secretamente se irritassem com alguma prepotência maior, perante os filhos defendiam sempre a autoridade — sim, porque isto também se poderia aplicar a um polícia ou, mais tarde, a um chefe, no emprego.

Agora, aparentemente, o pêndulo oscilou para o outro lado, e os pais pedem satisfações aos professores por tudo e por nada, colocando-se numa atitude do estilo “Não se esqueça que sou eu que lhe pago o ordenado”, substituindo-se aos filhos na resolução dos problemas. Destes confinamentos chegam-me relatos de pais que entram pela escola online adentro, protestando com o tom com que o professor falou à sua cria ou até discordando da forma como está a dar uma determinada matéria.

Tu que és mãe, mas que para além disso trabalhaste muitos anos em jardim de infância, conta-me onde é que está o ponto de equilíbrio? Não preciso que me expliques o que é a boa e a má-educação, porque essa não tem épocas nem gerações, mas o que é melhor serve a criança/adolescente, o que ajuda a crescer sabendo-se protegida, e pessoa de direitos, mas sem que se tornar numa daquelas pessoas que acha que todos lhe devem tudo, que é sempre uma vítima, sem qualquer culpa no cartório. Aguardo a tua resposta com curiosidade.


Querida Mãe,

Deixe-me resumir a sua pergunta: se percebo bem quer que lhe explique como é que se faz para que uma criança seja bem-educada, respeitadora, sabendo defender-se e lutar pelos seus direitos, mas sem ser prepotente, irritante ou com a mania que todos lhe devem tudo? Fico muito lisonjeada que imagine que alguma vez poderia ter sequer a ponta dessa resposta, hahahaha!

Primeiro, discordo que a boa e a má educação não tenham época ou geração, ou ainda se ofende se o meu marido não tiver um chapéu para o tirar da cabeça quando passa por si? Ou quando não lhe faço uma vénia quando chego a sua casa? A educação é absolutamente geracional e cultural (o que pude comprovar quando jantei com um chinês que enfiou a cabeça no prato e sugou a sopa de forma barulhenta).

Segundo, concordo que parece que muitos pais quiseram equilibrar a balança e inclinaram-na demasiado para o outro lado. Talvez seja uma consequência de terem sido muito pouco ouvidos pelos seus próprios pais, e não querem que os filhos passem pelo mesmo, e sintam que “não estão do seu lado”. Também me parece que as pessoas, em geral, estão ansiosas, cansadas, e desesperadas e querem arranjar discussões onde puderem como forma de aliviar essa tensão. Os professores são sempre um bom bode expiatório e é particularmente difícil para os pais não interferirem quando as aulas acontecem na sua sala de estar!

O problema não está em interferirem. Para as crianças, principalmente no 1.º ciclo, pode ser mesmo difícil resolver alguns problemas sozinhas, principalmente com o ambiente que normalmente existe numa sala de aula com 30 crianças. É difícil o professor conseguir uma relação próxima e estar atento a cada um desses miúdos de forma a pô-lo suficientemente à vontade para que se venha queixar-se-lhe (sobretudo se for dele!).

Evidentemente que o Zoom só piora tudo isto, principalmente para os mais tímidos, e é quase ridículo pedir-lhes que tenham a autonomia, a coragem, a calma, para, à frente de todos os outros, confrontar o professor — aliás quantos adultos o conseguem fazer com os colegas ou os chefes? Nesse contexto pode mesmo ser importante os pais falarem com os professores.

O que nos leva ao terceiro ponto: a questão é obviamente como se interfere. Como se fala, como se discute e como se diz as coisas. E é exactamente isto que os pais que perdem a cabeça e atacam um professor não perceberam: com cada “ataque” perdem a oportunidade de ensinar aos filhos a resolver conflitos de uma forma saudável.

E como poderiam se ninguém lhes ensinou? Se cada vez que falavam dos seus problemas alguém lhes disse “Isso não interessa, obedece e cala-te”. Se nunca tiveram oportunidade de praticar.

E do terceiro ponto, ao quarto: não é preciso ser oito ou 80. Às vezes temos a ideia de que se os pais ficarem do lado dos filhos, ou se validarem as suas embirrações ou sentimentos de injustiça, vão desautorizar os professores, mas não acredito mesmo nisso. Podemos perfeitamente acolher e até concordar com a criança, mostrando-lhe que mesmo nos casos em que lhes damos razão, isso não significa que seja preciso ir contra o professor. Podemos ajudá-las a aceitar as regras que não sendo ideais, fazem sentido cumprir, e a formular de forma inteligente as “causas” pelas quais vale a pena lutarem. Expondo-as de forma calma e clara – e com a ajuda dos pais caso seja necessário. Explicando-lhes que seria muito melhor para todos se fossem eles a expressá-las, mas que se ainda não o conseguirem fazer, a podemos ajudar a transmitir as suas opiniões. Porque quando resolvemos tudo por elas — muitas vezes sem percebermos realmente quais são as verdadeiras preocupações da própria criança — estamos a dizer-lhes que, no fundo, julgamos que elas não são sequer capazes de, pelo menos, colaborar na resolução dos seus próprios problemas. E isso é mau.

Beijinhos


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

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