Prémio Pessoa 2020 para a cientista Elvira Fortunato

O vencedor da 34.ª edição do prémio, no valor de 60 mil euros, foi anunciado esta manhã. Entre outras invenções, Elvira Fortunato é reconhecida pelo trabalho com o transístor de papel e também pela criação do primeiro ecrã do mundo totalmente transparente.

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Nuno Ferreira Santos

A cientista Elvira Fortunato é a vencedora do Prémio Pessoa 2020. No anúncio feito esta quinta-feira, foi sublinhado o impacto das “inovações e invenções” desta investigadora, engenheira de formação. Entre outros argumentos, destacou-se o “percurso académico de grande consistência” de Elvira Fortunato, bem como “uma carreira de excepcional projecção dentro e fora do nosso país”. Entre os avanços liderados pela cientista e especialista pioneira mundial na electrónica de papel, destaca-se o desenvolvimento do “transístor de papel” e a criação do primeiro ecrã do mundo totalmente transparentes, talvez as mais conhecidas das muitas inovações que fazem parte da sua carreira.

“Fico muito contente por ter ganho este prémio que, no fundo, reconhece o trabalho que tenho feito nesta área em particular e, em geral, na área da ciência”, reagiu a investigadora, em declarações à agência Lusa. Elvira Fortunato sublinhou também que o reconhecimento acontece numa altura particularmente relevante, num contexto de pandemia da covid-19 que se prolonga há mais de um ano, mostrando “a importância da ciência” no combate à crise sanitária.

Por outro lado, destacou ainda o valor especial do prémio que carrega o nome de Fernando Pessoa, um poeta que admira e que a inspira no seu trabalho. “Há um pedacinho de um poema dele que eu tenho em letras coladas num anfiteatro, que mostra que nunca devemos pensar pequenino, devemos pensar sempre grande e pensar sempre que conseguimos”, contou à Lusa, citando “Para ser grande, sê inteiro: nada”, da autoria do heterónimo de Pessoa Ricardo Reis. Para o futuro, anunciou, a palavra de ordem é “continuar: “Continuar com os projectos que temos em mãos e agarrar novos desafios.”

No final de Setembro, Elvira Fortunato foi distinguida com o Prémio Impacto Horizonte 2020 pelo projecto Invisible, que já tinha recebido uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação em 2008. Através desse projecto, acabou por contribuir para a criação de uma nova área tecnológica – a electrónica transparente e a utilização de materiais sustentáveis – que permitiu produzir (entre outras aplicações) o primeiro ecrã do mundo totalmente transparente.

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O primeiro transístor transparente DR

A cientista que lidera o Cenimat – Centro de Investigação de Materiais, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa é também vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa e trabalha como membro do Grupo de Alto Nível para o Mecanismo de Aconselhamento Científico da Comissão Europeia.

O projecto Invisible

O seu projecto mais conhecido está relacionado com o desenvolvimento do “transístor de papel” que levou à criação de um laboratório colaborativo que se chama “AlmaScience” vocacionado para o papel electrónico e que tenta fazer a ponte entre a universidade e a indústria. É coordenado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda e integra, para além da Universidade Nova de Lisboa, a Fraunhofer Portugal, o grupo Clara Saúde, a Navigator, o Raiz (Instituto de Investigação da Floresta e Papel) e a Câmara Municipal de Almada. A associação visa explorar aquilo que se tem feito na área do papel, mas numa vertente mais prática, em aplicações concretas. “Temos duas grandes aplicações: uma mais na área da electrónica, como o tracking [rastreamento] de embalagens inteligentes. Há ainda a área dos diagnósticos de papel, como os testes de diagnósticos rápidos para detectar vários biomarcadores”, explicou a cientista numa entrevista ao PÚBLICO em Outubro de 2020.

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Nuno Ferreira Santos

Na mesma conversa, Elvira Fortunato falou também do projecto Invisible, pelo qual recebeu uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação de 2,25 milhões de euros em 2008. Este projecto começou por ter como objectivo a utilização de materiais sustentáveis como semicondutores, neste caso, em transístores, mas que “podem também ser usados em electrónica de baixo custo e em tudo o que está relacionado com os circuitos integrados [circuitos electrónicos que incorporam diversos componentes]”. “Como estes materiais são transparentes, daí o nome do projecto, também podem ser utilizados em vidros, porque não altera a transmitância do próprio vidro [ou seja, a energia que o atravessa não altera a sua absorção ou reflexão]. Imagine se colocar o GPS no pára-brisas do seu automóvel, podemos ter aí electrónica, sensores e uma série de circuitos integrados embebidos numa janela de vidro sem alterar a transmitância e a função da janela. No fundo, estou a acrescentar valor à própria janela”, explicou a cientista ao PÚBLICO, adiantando que estes materiais já são usados actualmente em ecrãs normais de telemóveis ou computadores. 

Por fim, nessa entrevista ao PÚBLICO, a cientista arriscou ainda fazer um exercício sobre o futuro, antevendo como poderá estar a área em que trabalha daqui a uma década: Acho que daqui a dez anos essa tecnologia estará em tudo o que nos rodeia, nomeadamente nos mostradores e noutras áreas de aplicação para além dos ecrãs. Posso usar esse tipo de material em electrónica flexível, de baixo custo, biossensores... Os materiais sustentáveis da electrónica transparente são usados hoje nas multi-billion-dollar industries [indústrias multimilionárias] e têm várias aplicações desde documentos de segurança – como os passaportes –, janelas com transmitância variável (usadas em edifícios inteligentes), aplicações espaciais e da indústria automóvel ou até em células solares fotovoltaicas. Aliás, foi assim que um dos avaliadores descreveu o meu projecto há dez anos, disse que era a multi-billion target application oriented project [um projecto orientado para aplicações multimilionárias]”.

A sétima mulher distinguida

Elvira Fortunato é a sétima mulher distinguida com o Prémio Pessoa, depois das investigadoras Maria Manuel Mota (2013) e Maria do Carmo Fonseca (2010), da historiadora Irene Flunser Pimentel (2007), da cientista Hanna Damásio (com António Damásio, em 1992), da artista plástica Menez – Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca (1990) e da pianista Maria João Pires (1989). No anúncio da decisão do júri, Francisco Pinto Balsemão lembrou que “a ideia de usar o papel como um “material electrónico” abriu portas, em 2016, para futuras aplicações em produtos farmacêuticos, embalagens inteligentes ou microchips recicláveis, ou até páginas de jornal ou revistas com imagens em movimento”. 

“A ciência e a inovação são sinónimos da carreira de Elvira Fortunato. O trabalho pioneiro na área da electrónica transparente, usando materiais sustentáveis e com processamento completo à temperatura ambiente, e de grande impacto na indústria electrónica mundial, valeram-lhe o prémio Horizon Impact Award 2020, atribuído pela Comissão Europeia”, justificou ainda o presidente do júri do Prémio Pessoa. E acrescentou: “Ainda no contexto europeu, Elvira Fortunato é a promotora de uma plataforma associada à electrónica flexível que usa materiais ecossustentáveis e facilmente recicláveis, de forma a promover as interfaces e sistemas de comunicação de baixo custo e mais ajustadas a um futuro duradouro.”

Assim, e “graças a um percurso académico nacional e internacional de grande consistência”, considera-se que “Elvira Fortunato tem revelado uma exemplar capacidade para enfrentar os problemas das relações entre o Estado e as empresas, assim como entre a investigação e a tecnologia, estimulando o trabalho de cooperação entre instituições”. “Ao atribuir-lhe o Prémio Pessoa 2020, o júri consagra uma carreira de excepcional projecção, dentro e fora do país, mas também reconhece um contributo notável para o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação português”, conclui a acta do júri.

Devido à pandemia, o anúncio desta que é a 34.ª edição do prémio foi feito em formato digital, e não em Sintra, como é habitual. O júri, que se reuniu online, foi composto por Francisco Pinto Balsemão (presidente), Emídio Rui Vilar (vice-presidente), Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho-Marques.

A atribuição do prémio chegou a estar prevista para 11 de Dezembro de 2020, mas foi adiada pela necessidade de transferir para nova data a reunião do júri, devido aos riscos da pandemia.

O Prémio Pessoa é uma iniciativa do semanário Expresso com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos e visa reconhecer a actividade de personalidades portuguesas com papel significativo na vida cultural e científica do país. Nos últimos anos, o prémio distinguiu o arquitecto Manuel Aires Mateus (2017), o investigador e especialista em biogeografia Miguel Bastos Araújo (2018) e o actor, encenador e director artístico do teatro D. Maria II Tiago Rodrigues (2019).

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