Ordem dos Médicos lamenta não ter sido ouvida pela IGAS no inquérito ao lar de Reguengos

As conclusões da IGAS, divulgadas pelo Ministério da Saúde, admitem “responsabilidade deontológica” dos médicos no surto que matou 16 pessoas no Lar de Reguengos.

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Miguel Guimarães e António Costa Nuno Ferreira Santos

A Ordem dos Médicos (OM) lamenta não ter sido ouvida pela IGAS no inquérito ao surto de covid-19 no lar de Reguengos de Monsaraz, que provocou 18 mortes, e aponta o que diz ser uma tentativa de branqueamento da actuação das autoridades regionais.

“A forma como está a ser gerido o inquérito da IGAS [Inspecção-Geral das Actividades em Saúde] reforça a censura formal da OM pelo modo como o Ministério da Saúde sempre lidou com o caso do Lar de Reguengos de Monsaraz, preferindo o branqueamento da actuação da Administração Regional de Saúde do Alentejo, da Autoridade de Saúde Regional e Local e das entidades municipais à assunção de responsabilidades pela inexistência de condições no Lar e pelo incumprimento das orientações básicas da DGS”, escreve a ordem, em comunicado.

Na nota enviada às redacções, a Ordem dos Médicos lamenta ter tomado conhecimento do relatório da IGAS pela comunicação social e considera que o documento, “de forma inexacta e imprecisa”, lhe aponta baterias “através da divulgação de informação inserida em contexto não devidamente circunstanciado”.

Para a OM, esta actuação deixa claro que “o Ministério da Saúde prefere, antes de notificar o relatório à Ordem, que é um claro destinatário das conclusões da IGAS, gerar, por uma nota à comunicação social, o ruído político que permita criar um ambiente de confrontação”.

As conclusões da IGAS, divulgadas pelo Ministério da Saúde na segunda-feira ao final do dia, admitem “responsabilidade deontológica” dos médicos, uma matéria da competência da Ordem dos Médicos.

Na nota, a OM reitera que “nenhum médico de família se escusou a prestar apoio aos utentes do Lar de Reguengos de Monsaraz”, mesmo prejudicando os doentes que têm nas suas listas, numa situação que - sublinhou - é “muito diferente do que configura uma situação de apoio domiciliário pontual”.

“Apesar de o inquérito visar, em princípio, os factos relativos à intervenção das entidades do Ministério da Saúde, a OM verifica que o gabinete da ministra da Saúde preferiu centrar as suas afirmações e acusações em estruturas externas, nomeadamente na Ordem dos Médicos”, lamenta-se no comunicado.

“Nada mudou deste a altura do surto, quando o Ministério da Saúde e todas as instituições por ele tuteladas se preocuparam mais em questionar a competência da Ordem dos Médicos para a auditoria clínica do que em identificar e corrigir as falhas na resposta ao surto e, dessa forma, evitar a repetição do problema noutros lares”, acrescenta a OM.

A Ordem dos Médicos lembra que a auditoria que fez comprovou a “falta de recursos humanos no lar para administrar os cuidados necessários, falta de condições para delimitar a transmissão do vírus, falta de rastreio atempado, falta de intervenção decisiva da autoridade de saúde pública, falta de coordenação e gestão das autoridades competentes por forma a proteger doentes e profissionais de saúde”.

Apontou ainda o “atraso na transferência de infectados para um ‘alojamento sanitário’ onde faltava liderança clínica e onde os cuidados potencialmente exigíveis pela condição dos doentes eram desadequados” e recordou que enviou as conclusões da sua auditoria para várias entidades, muito em particular para o Ministério Público, reiterando a confiança nas instituições competentes e independentes para apurar as responsabilidades por um surto que vitimou 18 pessoas.

“A Ordem e os membros dos seus órgãos têm consciência de que a sua actuação não só foi útil no caso concreto, porque obrigou a uma correcção significativa de procedimentos em Reguengos de Monsaraz, como teve repercussões positivas, a partir dessa data, em todo o país”, acrescenta.

Na nota, a OM afirma ainda que continuará a contribuir para a defesa da saúde dos cidadãos e dos direitos dos doentes e a resistir “a todas as manobras inqualificáveis e aos ataques políticos que visem desviar as atenções do que realmente aconteceu” em Reguengos de Monsaraz - “uma violação grave de direitos humanos constitucionalmente consagrados”, como concluiu a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, no relatório de 15 de Outubro de 2020.

O surto em Reguengos de Monsaraz foi detectado em 18 de Junho de 2020 e provocou a morte de 16 utentes e uma funcionária do lar e um homem da comunidade.

No total, foram infectadas pelo novo coronavírus 162 pessoas. A maior parte dos casos de infecção aconteceram no lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva, envolvendo 80 utentes e 26 profissionais, mas também 56 pessoas da comunidade foram atingidas.

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