Meridiano presidencial

Até 2026, o mandato será feito de ciclos, sobretudo marcado pela pandemia e pela possível reconfiguração do sistema político e da representação parlamentar, sem qualquer crise política prevista, para já, até às legislativas de 2023. Entretanto, é provável que tenhamos um Presidente cada vez mais interventivo.

Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse e entrou, assim, na segunda metade do seu percurso como chefe de Estado. O mesmo Presidente e o mesmo estilo, num contexto e numa realidade bastante diferentes, comparativamente ao mandato anterior e, em particular, ao seu início em 2016.

O primeiro grande desafio era já conhecido e anterior à tomada de posse do Presidente da República e, por isso, a tempo de ser sufragado. Com a reeleição, Marcelo sucede a Marcelo. Esta é a primeira expectativa a ser gerida, por um Presidente que terá necessariamente de reinventar a sua forma, mantendo a identidade, por força do contexto da pandemia e dos seus efeitos, por um lado, e para contrariar algum e qualquer desgaste, por outro. Contudo, Marcelo tem sabido, com sucesso, superar a realidade e as suas limitações, por continuar a ser o Presidente dos afetos num tempo que separa e distancia.

O segundo grande desafio está nas crises dentro da crise: a saúde, a economia e a política. As renovações sucessivas do estado de emergência e os seus resultados, as tomadas de decisão e a comunicação permitiram alcançar números mínimos da covid-19. A intervenção do Presidente num momento difícil, a assumir o comando político da gestão da pandemia, legitimou o apelo discursivo durante a sua posse, à classificação, que reprova, de uma recriminação feita a tudo o que não se antecipou ou previu.

Depois da saúde, a economia. O Presidente da República elegeu como prioridade a reconstrução das vidas para lá da pandemia, numa abordagem à coesão e à justiça sociais, lembrando que nada é possível sem economia, mas que tudo é impossível só com economia. Enfim, numa retórica que sustenta o homem da esquerda da direita que diz ser.

O terceiro grande desafio é de natureza política, como um fim em si mesmo: a governabilidade. O Presidente lembrou os refugiados, a Europa depois do “Brexit”, a xenofobia e a chegada ao sistema de novas forças políticas e sociais. Numa palavra, Marcelo disse tudo, contrapondo o sonho ao medo. Foi este o caminho para levar à prática o objetivo de uma mensagem que exigiu melhor democracia e reiterou a necessidade de uma alternativa sólida de governação. No conteúdo político do seu discurso inaugural, Marcelo à esquerda falou para uma base popular e à direita para os partidos que a compõem.

Até 2026, o mandato será feito de ciclos, sobretudo marcado pela pandemia e pela possível reconfiguração do sistema político e da representação parlamentar, sem qualquer crise política prevista, para já, até às eleições legislativas de 2023. Entretanto, é provável que tenhamos um Presidente cada vez mais interventivo, desde logo na monitorização do Plano de Recuperação e Resiliência, cuja execução prevista se desenrolará até ao final do mandato que agora inicia. À intervenção urge corresponder a legitimidade, como espaço de ação e de aceitação, até ao último dia. É preponderante a manutenção da popularidade, cuja proximidade e o afeto, e alguma imprevisibilidade, procurarão garantir.

O presente é tão desafiante quanto imprevisível e representa, à data, uma espécie de meridiano presidencial, no espaço e no tempo da política, pelo sinónimo de estabilidade que a figura do chefe de Estado se afigura e pelo seu posicionamento, pela sua personalidade e pelo seu perfil. A função, que decorre da sua eleição individual, transporta o homem para o fundamental do cargo e do seu papel. Resta saber, na prática, qual será a distância dos polos ao meridiano e do meridiano aos polos da política no futuro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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