Marcelo II e os “berbicachos”

Toda a esquerda que foi votar Marcelo é capaz de ter uma desilusão quando perceber que o Presidente vai trabalhar para que exista uma alternativa credível de direita. Ele nunca o escondeu.

Reserve as quintas-feiras para ler a newsletter de Ana Sá Lopes em que a política vai a despacho.

“Os segundos mandatos são mais difíceis do que os primeiros”. Na Calçada da Estrela, a caminho do Parlamento onde iria tomar posse, Marcelo anunciou que o pior – para ele – estava para vir. Aparentemente, também para o Governo: o grau de exigência do Presidente será maior, a avaliar pelas missões que enunciou no discurso e que competem ao Governo resolver – a reconstrução social, que “é tudo ou quase tudo: emprego, rendimentos das pessoas, mas também saúde mental, laços sociais, vivências e sonhos. É muito mais do que recuperar ou regressar a 2019”.

Este é o grande desafio do país, que, a falhar, se pode transformar num grande “berbicacho” – a expressão usada por Marcelo na véspera, em declarações ao PÚBLICO, para explicar como ficaria a situação do país se das eleições legislativas não saísse nenhuma maioria clara.

Todos os segundos mandatos têm tido idiossincrasias variadas, mas foi constante nos segundos mandatos de todos os Presidentes uma muito maior exigência face ao Governo. Com Marcelo, não será diferente, embora provavelmente este Presidente não vá seguir alguns caminhos dos antecessores. Marcelo não irá construir um partido novo a partir do Palácio de Belém como fez Ramalho Eanes – importa lembrar que, na impossibilidade de Eanes fazer a campanha eleitoral de 1985 por ainda ser Presidente, foi a sua mulher, Manuela Eanes, a percorrer o país.

É improvável que convoque os seus conselheiros próximos para recriar o célebre jantar do Aviz quando Mário Soares quis discutir a dissolução da Assembleia de um Governo com apoio parlamentar maioritário. Dificilmente patrocinará um congresso para discutir o futuro do país à margem do Governo, como fez Soares com o Portugal, que futuro? Não é crível que se venha queixar para os jornais de que está sob escuta do Governo, como fez Cavaco. Não demitirá um Governo com apoio parlamentar maioritário por causa de “episódios”, como fez Jorge Sampaio com Pedro Santana Lopes.

E, no entanto, toda a esquerda que foi votar Marcelo é capaz de ter uma desilusão quando perceber que o Presidente vai trabalhar para que exista uma alternativa credível de direita. Ele nunca o escondeu. No discurso de posse, defendeu a “convergência no regime e alternativa clara de governação”. A preocupação relativamente ao sucesso do PSD e às suas possibilidades em futuras legislativas vai acentuar-se – como, de resto, aconteceu com Soares relativamente ao PS depois de 10 anos de governação Cavaco Silva.

A História não se repete, mas o regime é o mesmo. Marcelo fará tudo para não ter o “berbicacho” de um “pântano” no seu mandato.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários