Só se perdoa o imperdoável

“Só se perdoa o imperdoável, pois o perdoável já está perdoado”, diz Derrida, e eu fico ainda mais revoltada por ter noção da corda que me ofereceste, este paradoxo com que me ataste as mãos.

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Matthew Waring/Unsplash

Não ando de avião quase há dois anos, não saio desta cidade deste o Verão passado. Nem posso contabilizar essa saída, foram duas semanas merdosas numa casa no Algarve, escolhida online, onde não se percebia que ficava no centro da vila, mesmo colada a um restaurante barulhento que fechava tardíssimo, e com os quartos colados a uma estrada que tinha imenso trânsito assim que nascia o dia.

Foram duas semanas de stress entre as birras do meu filho, as paranóias da minha mãe e a tristeza e o cansaço evidentes do meu pai, que já não vai para novo. Duas semanas que me saíram caríssimas e em que dei cabo das poupanças que tinha conseguido amealhar durante a pandemia. Para nada. Duas semanas em que, cansada e tristíssima, como o meu pai, me embebedei todas as noites com vinho branco, assim que deitava o miúdo na cama, e muitas vezes já estava bastante tocada quando o ia deitar e ele devia achar que a mãe ficava bem-disposta à noite, em oposição ao ar ensimesmado com que passava todos os dias, na praia, na piscina, a comer sardinhas, onde quer que fosse.

Não te tirei da cabeça as férias todas, o Verão inteiro, julguei que estava a enlouquecer, a sério. Nem sequer conseguia ver um post teu, se por acaso me surgia no feed eu rapidamente tinha de fazer scroll para não o ver, para não ver o que fazias, para não sentir a minha inexistência na tua vida e a possível felicidade que me mataria saber que terias alcançado sem mim. Porque eu, durante os meses em que estivemos separados, não fui feliz nem só um segundo, nem quando estava a cair de bêbeda, e foram muitas as noites, nem quando fui para cama com outra pessoa só para mostrar a mim própria que iria ultrapassar a importância que tinhas na minha vida.

Quando fui para a cama com outra pessoa e me comportei exactamente como tu, imitei tudo aquilo que me fazias, talvez num derrame de insanidade para sentir o teu poder, para experimentar o que tu sentias, para ver o que tu vias. E saí de casa da outra pessoa vazia, angustiada, ainda mais triste e ridícula do que antes. A conduzir de madrugada pelas estradas desertas e a fotografar avenidas vazias para colocar nas minhas páginas das redes sociais e mostrar ao mundo e a ti a minha solidão, tão vasta como toda a internet. E agora estamos aqui, alguns meses depois, e eu não consigo esquecer-me do que me fizeste. “Só se perdoa o imperdoável, pois o perdoável já está perdoado”, diz Derrida, e eu fico ainda mais revoltada por ter noção da corda que me ofereceste, este paradoxo com que me ataste as mãos.

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