O Bairro São João de Brito vai ter finalmente as suas ruas novas

Neste bairro de Alvalade, que luta há décadas pela legalização das suas casas, iniciaram-se esta terça-feira as obras para a requalificação do espaço público, de saneamento, água e luz, há muito reclamadas. Vão durar dois anos e custar 3,7 milhões de euros.

aviacao,camara-lisboa,ana,habitacao,local,lisboa,
Fotogaleria
Margarida Basto/Arquivo
aviacao,camara-lisboa,ana,habitacao,local,lisboa,
Fotogaleria
Margarida Basto/Arquivo

Ao longo de cinco décadas, os moradores do Bairro São João de Brito, em Alvalade, têm travado várias batalhas. Durante os próximos dois anos, deverá dar-se por concluída uma delas: os cerca de 300 moradores que ainda ali habitam vão ter ruas renovadas, água, luz, gás e telecomunicações a funcionarem como deve ser, espaços verdes para desfrutarem. Iniciaram-se esta terça-feira as obras de qualificação do espaço público deste bairro, que luta pela legalização desde a sua fundação. 

Era início da década de 60 quando começaram a surgir as primeiras barracas e construções ilegais nestes terrenos junto ao Aeroporto de Lisboa. No entanto, foi depois do 25 de Abril de 1974, que a ocupação desta zona da cidade se intensificou com o regresso ao país dos retornados das ex-colónias. Foram nascendo, assim, casas de alvenaria, armazéns e pequenas oficinas, cuja construção fora então autorizada pela Câmara de Lisboa. “Essa autorização foi concedida com um projecto de planeamento, rudimentar à época, para se definir onde as pessoas podiam construir as suas casas”, conta Fátima Martins, presidente da Associação de Moradores do Bairro de S. João de Brito. Assim cresceu o bairro, entre a Segunda Circular e a Avenida do Brasil, com alguns arruamentos ordenados — e outros que nem tanto. 

Como todas as infra-estruturas ali ainda são antigas, os esgotos por vezes entopem e há casas que ainda têm fossas. Também a Internet é lenta. É isso que agora se quer corrigir, dotando o bairro de novas ruas, passeios, iluminação pública e substituindo integralmente as redes de saneamento, água, electricidade, gás e telecomunicações. Prevista está também a criação de espaços verdes com equipamentos de lazer, desporto e recreio infantil, numa obra que deverá durar dois anos, com um investimento municipal de 3,7 milhões de euros. 

E era um compromisso já assumido pelo presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, no final do mandato passado, o de reabilitar o espaço público deste bairro. “Tudo isto começou com uma luta muito antiga do bairro pela sua legalização”, diz ao PÚBLICO. Isto porque, apesar de o município ter há várias décadas autorizado a construção nos terrenos, as habitações nunca foram legalizadas.

O entrave era o facto de estes terrenos integrarem a zona de expansão do aeroporto da Portela. “A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) e a ANA [gestora do aeroporto] não permitiam essa desafectação. Isso bloqueava tudo, porque, na prática, não se podia legalizar nada”, explica o autarca. No entanto, a 31 de Maio de 2017, a ANA emitiu um parecer favorável, que permitiu dar início à legalização destas habitações, podendo assim os proprietários destes imóveis – em alguns casos construídos pelas próprias mãos —, registar em seu nome os lotes das casas onde vivem.

Da demolição à legalização 

Fátima Martins está ali desde a fundação do bairro. Não chegou das ex-colónias, mas está ali desde os tempos em que não havia sequer água canalizada. “Ia-se buscar ao chafariz”, recorda a moradora.

Foi precisamente por isso que, em 1988, os moradores constituíram uma associação para tratarem dos problemas relacionados com o abastecimento de água. Os esgotos, contudo, ficaram por conta dos residentes.

As ruas - e algumas construções - foram sempre muito precárias. Os arruamentos que hoje ali se vêem, uma manta de retalhos de alcatrão e gravilha, foram feitos por iniciativa da associação de moradores, que aproveitava o alcatrão proveniente dos restos de obras de outras zonas da cidade. “Nós sabíamos onde estavam e íamos lá pagar aos senhores para que, em vez de irem despejar lá para os aterros deles, colocassem [o alcatrão] aqui”, conta Fátima Martins. 

Neste caminho até à regularização das casas, chegou, porém, a falar-se de demolição. A Expo 98 estava a chegar e, no executivo liderado pelo socialista João Soares, havia quem considerasse que um bairro com aquelas condições “ficava mal” nessa imagem de cidade cosmopolita que se queria passar ao mundo. Nessa altura, alguns moradores ainda foram realojados.

Em 2005, a ideia voltou ao debate quando o executivo do social-democrata de Carmona Rodrigues anunciou a demolição deste “bairro de autoconstrução”. O bairro, na altura com cerca de 80 fogos, daria lugar a um espaço verde, na continuação da Mata de Alvalade.

Desde então, a luta foi sempre para que ali permanecessem e regularizassem as habitações.“Até termos a obra que merecemos. Sempre pagamos os impostos, pagamos IMI, os impostos à Câmara de Lisboa”, nota Fátima. 

Essa legalização está ainda a decorrer. Ao mesmo tempo que decorrerão as obras, as últimas 50 casas — de um total de 120 que o bairro ainda tem — poderão ser regularizadas, ficando assim os proprietários com a posse plena sobre elas. Sem isso, não poderiam vender nem arrendar as casas. Chegou a hora do Bairro São João de Brito ter, como diz Fátima, a obra que merece. 

Sugerir correcção
Comentar