Ordem dos Médicos à espera do inquérito sobre lar de Reguengos para se pronunciar

Conclusões da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde admite “responsabilidade deontológica” dos médicos que recusaram visitar a instituição na sequência de instruções da Ordem dos Médicos e do Sindicato Independente dos Médicos. A fundação do lar de Reguengos de Monsaraz argumentou que as contra-ordenações “nada” têm “a ver com o surto” de covid-19 do ano passado.

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LUSA/NUNO VEIGA

A Ordem dos Médicos vai pedir com urgência os documentos relativos ao inquérito ordenado pelo Ministério da Saúde ao surto de covid-19 no lar de Reguengos de Monsaraz para os analisar e se poder pronunciar.

Contactada pela agência Lusa a propósito das conclusões da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), que admite “responsabilidade deontológica” dos médicos que recusaram visitar a instituição, a Ordem dos Médicos disse que apenas tomou conhecimento destas informações pelas notícias.

“A Ordem dos Médicos tomou conhecimento das conclusões pelas notícias e não recebeu nenhuma informação por parte da IGAS ou do Ministério da Saúde. Vamos exigir com carácter de urgência o inquérito para que o possamos analisar”, respondeu.

As conclusões do inquérito da IGAS, ordenado pelo Ministério da Saúde (MS) no seguimento do surto de covid-19 no Lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), em Reguengos de Monsaraz, admitem “responsabilidade deontológica” dos médicos que recusaram visitar a instituição no seguimento de instruções da Ordem dos Médicos e de um sindicato.

As informações foram divulgadas pela tutela na segunda-feira e os documentos referentes ao processo serão remetidos ao Ministério Público da comarca de Évora, onde decorre um inquérito de natureza criminal, assim como ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS).

Na nota divulgada na segunda-feira, o MS adiantava ainda que “a ministra da Saúde solicitou à IGAS a emissão e envio à entidade competente do relato de factos susceptíveis de responsabilidade deontológica por parte de membros de órgãos da Ordem dos Médicos e sindicatos envolvidos”, sendo a entidade competente a própria Ordem dos Médicos.

O caso desencadeou grande polémica depois de uma comissão de inquérito da OM ter divulgado o relatório da auditoria que efectuou no lar e em que arrasa a actuação no processo da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo e critica a autoridade de saúde pública.​

De acordo com o inquérito da IGAS, as questões de ilegalidade invocadas pelos médicos dos centros de saúde locais para não fazerem visitas aos utentes do lar decorreram de “instruções recebidas quer da Ordem dos Médicos, quer do SIM (Sindicato Independente dos Médicos), as quais suscitaram nestes um clima de dúvida e preocupação, a partir do dia 2 de Julho de 2020”.

“Ora, ao contrário das posições assumidas pela OM e pelo SIM, a IGAS conclui que as determinações de deslocação de profissionais de saúde ao lar da FMIVPS e ao alojamento sanitário não padeceram de nenhuma ilegalidade ou outro vício jurídico”, lê-se no documento do MS, no qual se acrescentava que as visitas tinham enquadramento legal num despacho publicado em Abril de 2020.

A IGAS referia ainda que uma actuação contrária ao estipulado colide com o Código Deontológico dos médicos, no princípio geral de cooperação e na cooperação devida para a defesa da saúde pública.

O relatório da comissão de inquérito da Ordem dos Médicos sobre o assunto, conhecido em 6 de Agosto, apontava para o incumprimento das orientações da Direcção-Geral da Saúde.

Lar diz que contra-ordenações “nada” têm a ver com surto

A fundação do lar de Reguengos de Monsaraz argumentou que as contra-ordenações “nada” têm “a ver com o surto” de covid-19 do ano passado. “O que temos e [o] que nos chegou são duas contra-ordenações, que dizem respeito a duas situações pontuais que foram ultrapassadas e são perfeitamente justificáveis”, afirmou à agência Lusa o director de serviços da fundação gestora do lar, João Carlos Silva.

Segundo o mesmo responsável, as contra-ordenações referem-se a situações anteriores à do foco do novo coronavírus SARS-CoV-2: “Isto é um processo e uma acção [com] mais de um ano de diferença [e] anterior ao surgimento do surto que nos assolou em Junho de 2020”, afiançou João Carlos Silva.

O director precisou que uma das situações teve a ver “com alguma falta de higienização de casas de banho” numa altura em que se procedia à higienização dos utentes. “Portanto, as casas de banho ainda não estariam obviamente higienizadas, enquanto não se terminou a higiene aos utentes”, afirmou, acrescentando que a outra se relaciona com “a falta de uma auxiliar de acção directa no período nocturno”, o que “também foi ultrapassado”.

O surto em Reguengos de Monsaraz foi detectado em 18 de Junho de 2020 e provocou 18 mortes (16 utentes e uma funcionária do lar e um homem da comunidade).

No total, foram infectadas pelo novo coronavírus 162 pessoas. A maior parte dos casos de infecção aconteceram no lar da FMIVPS, envolvendo 80 utentes e 26 profissionais, mas também 56 pessoas da comunidade foram atingidas. A Procuradoria-Geral da República instaurou um inquérito-crime.

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